segunda-feira, 31 de março de 2014

A HISTÓRIA NÃO PODE SE REPETIR – 50 ANOS DO GOLPE MILITAR

As ações e levantes que se observaram nos meses que antecederam ao golpe foram significativos e, apesar de ideia inicial ser de governo transitório, se tornou ditadura
“A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância... O momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que grupos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos interesses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas”, este texto é recente e demonstra o atual cotidiano de nossa sociedade, certo? Não, errado.
Esses são os dois primeiros parágrafos do discurso do ex-presidente João Goulart, o Jango, feito há 50 anos, na noite do dia 30 de março de 1964, no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, durante reunião de sargentos, na véspera do golpe político-militar que ocorrera no dia seguinte, em ação antecipada do comandante da 4.ª Região Militar (sediada em Juiz de Fora – MG), general Olímpio Mourão Filho, surpreendendo até mesmo os próprios conspiradores, com a movimentação de suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde o presidente ainda se encontrava.
Vale destacar o objetivo de Goulart, na reunião de sargentos, em apresentar as propostas tão cobradas das Reformas de Base e que, conforme ficou claro, era apenas uma cobrança da elite da época, dos grupos empresariais e dos militares, apoiados por alguns veículos de comunicação. Na prática, as mudanças não eram almejadas por eles, mas, sim, e principalmente, um clamor do povo que, desde 1961, aguardava por isso.
Tal qual é, em seu princípio, o discurso do, democraticamente eleito, presidente Goulart, também se segue como se fora feito na noite passada, em nossos dias atuais de 2014, ao discorrer: “... Reconheço que há muitos iludidos de boa-fé. Venho adverti-los de que estão sendo manipulados em seus sentimentos por grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais...”.
Naquele momento, em 31 de março de 1964, ao ser informado das medidas da 4.ª Região Militar, Jango determina o envio de tropas do Rio de Janeiro para conter o levante do Exército de Minas Gerais e tenta articular apoio militar entre os comandantes do Exército, não alcançando êxito. João Goulart é deposto e, a partir daí, a sociedade brasileira é embrenhada e submetida a fatos vergonhosos que se seguiriam por mais de 20 anos de ditadura, mesmo que, em seu início, se tenha travestido ou pretendido ser apenas um governo transitório.
A participação efetiva dos Estados Unidos também é evidente, conforme demonstram documentos, até então sigilosos, trocados entre o embaixador e o adido estadunidense no Brasil com o governo de seu país, nos quais são enfatizados o risco iminente de o Brasil, a exemplo do que ocorrera recentemente com Cuba, rumar em direção ao comunismo. E esse é era o grande e pior pesadelo dos Estados Unidos, conforme as conversas gravadas pela própria Casa Branca, considerando que o Brasil poderia vir a ser tornar uma China no hemisfério ocidental.
A nociva e perniciosa atuação do governo estadunidense, tal qual é sua arrogância e prepotência nos dias atuais, é revelada no documentário "O Dia que Durou 21 anos", de Camilo Tavares.
Entre outros documentos da época, o filme retrata as ações de propaganda dos EUA para desestabilizar o governo brasileiro, a criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a deputados-federais, oito a governador e 600 a deputado estadual pelo país, visando, principalmente, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Além de estímulo a greves e artigos na imprensa contra o governo sob o comando da CIA (Agência Central de Inteligência) com vistas à derrocada de regimes, conforme explicado pelo coordenador do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.
“Estamos tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Esse é o teor de um dos telegramas enviados a Washington pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Harvard Lincoln Gordon, que recebeu carta branca do então presidente estadunidense, Lyndon Johnson, para desestabilizar Goulart, bem como autorizou o envio de navios ao Brasil.
Estava instaurada a Ditadura Militar e, por 21 anos marcaria profundamente a sociedade brasileira e seus reflexos continuam a ecoar até hoje. Os dias que se seguiram ao golpe marcaram e mancharam o povo brasileiro pelo regime de exceção, com o fechado do Congresso Nacional, extinção do pluripartidarismo, forte repressão às manifestações, perseguições, prisões, torturas, assassinatos, censura, além de muitos artistas, sindicalistas, políticos, jornalistas, estudantes, professores e outros profissionais que foram expulsos do país e, por longos anos, obrigados a aguardar pela anistia para poderem retornar. Dos muitos tidos como presos políticos, até hoje não se tem notícias e, daqueles que foram mortos, muita informação ainda é uma sombra, um mistério.
Entretanto, apesar de, neste momento, parecer que o Golpe Militar se deu da noite para o dia ou em alguns poucos meses, na prática, se faz necessário observar como a história transcorreu ao longo dos oito anos anteriores.
Desta forma, em 1956, Juscelino Kubitschek assumia a Presidência da República adotando postura conciliadora à oposição política, permitindo-lhe um governo sem grandes crises. Assim, alcançou considerável crescimento da economia e do setor industrial e sua gestão chegou ao ápice com a construção da nova capital, Brasília, considerada a maior conquista da era JK.
A nova capital demandou forte e alto investimento de recursos financeiros, tendo sido totalmente projetada e inaugurada em 21 de abril de 1960, mesmo ano em que Jânio Quadros é eleito, em outubro, à Presidência da República.
No final de janeiro de 1961, Jânio Quadros toma posse, mas seu governo não é nada popular. Na Economia, movido pela crise financeira aguda causada por intensa inflação, déficit da balança comercial e crescimento da dívida externa, adota medidas drásticas, restringe o crédito, congela os salários e incentiva as exportações.na política externa, os ânimos da oposição são acirrados pela nomeação de Afonso Arinos para o ministério das Relações Exteriores, que alterou, radicalmente, os rumos da política externa brasileira. O Brasil começou a se aproximar dos países socialistas, restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS).
Jânio Quadros condecora, pessoalmente, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, o líder guerrilheiro revolucionário Ernesto Che Guevara (19/08/1961), então ministro de Cuba, e o cosmonauta soviético Yuri Gagarin, além de receber a visita do presidente cubano, Fidel Castro.
Estes fatos provocam forte crise nas Forças Armadas e, no dia 25 de agosto de 1961, portanto, menos de um ano após assumir o cargo, Jânio Quadros renuncia ao mandato sob a justificativa, que perduraria por anos, de ser levado à decisão por “forças ocultas”. Por certo, naquele momento, já era acenada a intenção de golpe em nome de bloquear a expansão do comunismo no continente americano.
A instabilidade política, principalmente dentro das Forças Armadas, em especial da FAB (Força Aérea Brasileira), impede que o cargo seja assumido, imediatamente, pelo vice-presidente João Goulart e é ocupado, interinamente, pelo presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzilli até que, depois de negociações e muitos entendimentos, Jango assume a Presidência da República por força da Emenda Constitucional nº 4, de 22 de setembro de 1961, a qual institui o sistema parlamentar de governo. Com o novo regime, Tancredo Neves assume o cargo de Primeiro-Ministro, e a Presidência de Jango, sem poderes de Chefe de Estado, fica limitado.
À época, o Congresso não se mostrou à altura das responsabilidades que a Emenda Constitucional lhe havia dado, se desgastou em discussões internas e perdeu a grande oportunidade de consolidar o regime parlamentarista no Brasil, haja vista que, em curto espaço de tempo, apenas um ano, registrou a passagem de três chefes como Primeiro-Ministro (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima).
Neste intervalo, organizou-se um plebiscito para que o povo decidisse pelo “Sim” ou “Não” ao parlamentarismo e, em resultado arrasador, no dia 6 de janeiro de 1963, o eleitorado nacional decide pela volta ao presidencialismo e, desta vez, a condução de Jango à Presidência da República com amplos poderes de Chefe de Estado.
Entretanto, não diferente da gestão de Jânio, João Goulart sofreu forte oposição política, constrangimentos, acusações de golpe, impedimento de governança e, com a instabilidade político-militar, as Forças Armadas, com o apoio de grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais, bem como a forte aliança, interferência e influência direta dos Estados Unidos, o caos volta a dominar o país, culminando com o Golpe Militar que, no dia 31 de março de 1964, pôs fim à Terceira República (1945-1964).

ACOMPANHE, ABAIXO, OS DIAS QUE ANTECEDERAM AO GOLPE A PARTIR DE AGOSTO DE 1961 ATÉ A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO EM 11 DE ABRIL DE 1964
Agosto/1961 – Jânio Quadros renuncia à Presidência da República, alegando que "forças terríveis" tinham se levantado contra ele. Muitos especialistas creem que Jânio contava com o veto dos ministros militares ao vice-presidente, João Goulart, e com uma reação popular que o levasse de volta à Presidência, dessa vez com superpoderes.
Setembro/1961 – Depois das reações ao veto dos militares, uma solução de compromisso garante a posse de Goulart sob o regime parlamentarista. Com a apressada emenda à Constituição, Goulart irá dividir o poder com o primeiro-ministro. Tancredo Neves é o primeiro a assumir o cargo.
Dezembro/1962 – Apresentação do Plano Trienal, elaborado pelo ministro Celso Furtado. Os objetivos centrais do plano eram o combate à inflação sem comprometer o crescimento econômico e buscar promover a realização das reformas necessárias para um desenvolvimento sustentado.
Janeiro/1963 – Sistema parlamentarista é derrotado em plebiscito e Goulart recupera os plenos poderes da Presidência.
Setembro/1963 – Após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendendo o mandato dos sargentos eleitos no ano anterior, centenas de sargentos, fuzileiros e soldados se rebelam em Brasília. Tomam vários prédios públicos e prendem o presidente interino da Câmara dos Deputados e um ministro do STF. A rebelião é sufocada em poucas horas, com o saldo de duas pessoas mortas, um militar e um civil. A quebra da disciplina e da hierarquia causa forte reação na alta oficialidade.
Outubro/1963 – Goulart pede ao Congresso autorização para decretar o estado de sítio por 30 dias. Não consegue apoio para a medida já que tanto as forças políticas de esquerda como as de direita temiam ser alvo dos poderes emergenciais.
1964
Janeiro – Goulart regulamenta a Lei de Remessas de Lucros, que limitava as transferências de divisas para o exterior, contrariando os interesses dos investidores estrangeiros.
13 de março – Pelo menos 150 mil pessoas comparecem ao comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no que seria o início de uma nova campanha em favor das reformas sociais.
No comício Goulart assina dois decretos: o primeiro nacionalizava todas as refinarias de petróleo particulares, o segundo tornava sujeitas à desapropriação propriedades rurais numa faixa de 10 km à margem de rodovias ou ferrovias federais.
19 de março – Milhares de pessoas participam da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por várias entidades conservadoras, entre elas a SRB (Sociedade Rural Brasileira) e a UCF (União Cívica Feminina). Segundo fontes divergentes, os participantes ficaram entre 200 mil e 500 mil pessoas.
20 de março – O general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército e um dos coordenadores da conspiração contra o governo democrático, lança uma circular reservada aos oficiais advertindo sobre o que considerava como perigo latente nas recentes medidas do presidente da República.
25 de março – Ministro da Marinha, Sílvio Mota, manda prender dirigentes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais. A tropa enviada para fazer a prisão se recusa a atacar os colegas e vários fuzileiros se juntam aos insubordinados, no episódio conhecido como a Revolta dos Marinheiros.
Mota pede demissão. Após negociações, os marinheiros se entregam e são presos, mas logo depois são libertados e anistiados.
O episódio aumenta a irritação dos militares ainda legalistas com a quebra da hierarquia e disciplina.
30 de março – Goulart discursa em reunião de sargentos, no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro.
31 de março – O general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4.ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), dá início ao golpe ao movimentar – antes do esperado pelos próprios conspiradores – suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde se encontrava o presidente. Goulart envia tropas do Rio para deter o levante e tenta articular apoio militar entre os comandantes do Exército.
1º de abril – Após a adesão aos revoltosos pelas tropas enviadas do Rio de Janeiro, Goulart decide deixar o Rio e ir para Brasília. Sem condições de organizar uma resistência efetiva, decide ir para Porto Alegre.
2 de abril – Desrespeitando a Constituição do país na época, já que Goulart se encontrava em território nacional, o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência e empossa interinamente no cargo o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Apesar disso, o poder de fato passou a ser exercido por uma junta, autodenominada Comando Supremo da Revolução, composta pelo general Artur da Costa e Silva, almirante Augusto Rademaker Grünewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
Em Porto Alegre, apesar dos apelos de seu cunhado e ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, Goulart percebeu que não havia mais condições para uma reação ao golpe.
4 de abril – Goulart deixa o Brasil e pede asilo no Uruguai.
11 de abril – Um Congresso Nacional já expurgado com as primeiras cassações elege "respeitosamente" o general Castelo Branco presidente da República.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Prezados (as), reservo-me ao direito de moderar todos os comentários. Assim, os que me chegarem de forma anônima poderão não ser publicados e, desta forma, tão menos respondidos. Grato pela compreensão, espero contribuir, de alguma forma, com as postagens neste espaço.