As ações e
levantes que se observaram nos meses que antecederam ao golpe foram
significativos e, apesar de ideia inicial ser de governo transitório, se tornou
ditadura
“A
crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que
vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se
abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida
econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da
ignorância... O momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo
de calma e de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e
envenenamentos, que grupos poderosos estão procurando criar contra o governo,
contra os mais altos interesses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças
Armadas”, este texto é recente e demonstra o atual cotidiano de nossa
sociedade, certo? Não, errado.
Esses
são os dois primeiros parágrafos do discurso do ex-presidente João Goulart, o
Jango, feito há 50 anos, na noite do dia 30 de março de 1964, no Automóvel
Clube, no Rio de Janeiro, durante reunião de sargentos, na véspera do golpe
político-militar que ocorrera no dia seguinte, em ação antecipada do comandante
da 4.ª Região Militar (sediada em Juiz de Fora –
MG), general Olímpio Mourão Filho,
surpreendendo até mesmo os próprios conspiradores, com a movimentação de suas
tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde o presidente ainda se encontrava.
Vale destacar o objetivo de Goulart, na reunião de sargentos,
em apresentar as propostas tão cobradas das Reformas de Base e que,
conforme ficou claro, era apenas uma cobrança da elite da época, dos grupos
empresariais e dos militares, apoiados por alguns veículos de comunicação. Na prática,
as mudanças não eram almejadas por eles, mas, sim, e principalmente, um clamor
do povo que, desde 1961, aguardava por isso.
Tal
qual é, em seu princípio, o discurso do, democraticamente eleito, presidente
Goulart, também se segue como se fora feito na noite passada, em nossos dias
atuais de 2014, ao discorrer: “... Reconheço que
há muitos iludidos de boa-fé. Venho adverti-los de que estão sendo manipulados
em seus sentimentos por grupos de facções políticas, agências de publicidade e
órgãos de cúpula das classes empresariais...”.
Naquele
momento, em 31 de março de 1964, ao ser informado das medidas da 4.ª Região
Militar, Jango determina o envio de tropas do Rio de Janeiro para conter o
levante do Exército de Minas Gerais e tenta articular apoio militar entre os
comandantes do Exército, não alcançando êxito. João Goulart é deposto e, a
partir daí, a sociedade brasileira é embrenhada e submetida a fatos vergonhosos
que se seguiriam por mais de 20 anos de ditadura, mesmo que, em seu início, se
tenha travestido ou pretendido ser apenas um governo transitório.
A
participação efetiva dos Estados Unidos também é evidente, conforme demonstram
documentos, até então sigilosos, trocados entre o embaixador e o adido
estadunidense no Brasil com o governo de seu país, nos quais são enfatizados o
risco iminente de o Brasil, a exemplo do que ocorrera recentemente com Cuba,
rumar em direção ao comunismo. E esse é era o grande e pior pesadelo dos
Estados Unidos, conforme as conversas gravadas pela própria Casa Branca,
considerando que o Brasil poderia vir a ser tornar uma China no hemisfério
ocidental.
A
nociva e perniciosa atuação do governo estadunidense, tal qual é sua arrogância
e prepotência nos dias atuais, é revelada no documentário "O Dia que Durou 21
anos", de Camilo Tavares.
Entre outros documentos da época, o
filme retrata as ações de propaganda dos EUA para desestabilizar o governo
brasileiro, a criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa
anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação
Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos
Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a
deputados-federais, oito a governador e 600 a deputado estadual pelo país,
visando, principalmente, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. Além de estímulo a greves e artigos na imprensa contra
o governo sob o comando da CIA (Agência Central de Inteligência)
com vistas à derrocada de regimes, conforme explicado pelo coordenador do
Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.
“Estamos
tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra
Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para
encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa
e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Esse é o teor de um dos telegramas
enviados a Washington pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Harvard
Lincoln Gordon, que recebeu carta branca do então presidente estadunidense,
Lyndon Johnson, para desestabilizar Goulart, bem como autorizou o envio de
navios ao Brasil.
Estava
instaurada a Ditadura Militar e, por 21 anos marcaria profundamente a sociedade
brasileira e seus reflexos continuam a ecoar até hoje. Os dias que se seguiram
ao golpe marcaram e mancharam o povo brasileiro pelo regime de exceção, com o
fechado do Congresso Nacional, extinção do pluripartidarismo, forte repressão
às manifestações, perseguições, prisões, torturas, assassinatos, censura, além
de muitos artistas, sindicalistas, políticos, jornalistas, estudantes, professores
e outros profissionais que foram expulsos do país e, por longos anos, obrigados
a aguardar pela anistia para poderem retornar. Dos muitos tidos como presos
políticos, até hoje não se tem notícias e, daqueles que foram mortos, muita
informação ainda é uma sombra, um mistério.
Entretanto,
apesar de, neste momento, parecer que o Golpe Militar se deu da noite para o
dia ou em alguns poucos meses, na prática, se faz necessário observar como a
história transcorreu ao longo dos oito anos anteriores.
Desta
forma, em 1956, Juscelino
Kubitschek assumia a Presidência da República adotando postura conciliadora à
oposição política, permitindo-lhe um governo sem grandes crises. Assim,
alcançou considerável crescimento da economia e do setor industrial e sua
gestão chegou ao ápice com a construção da nova capital, Brasília, considerada a
maior conquista da era JK.
A nova
capital demandou forte e alto investimento de recursos financeiros, tendo sido
totalmente projetada e inaugurada em 21 de abril de 1960, mesmo ano em que
Jânio Quadros é eleito, em outubro, à Presidência da República.
No final
de janeiro de 1961, Jânio Quadros toma posse, mas seu governo não é nada
popular. Na Economia, movido pela crise financeira aguda causada por intensa inflação, déficit
da balança comercial e crescimento da dívida externa, adota medidas drásticas,
restringe o crédito, congela os salários e incentiva as exportações. Já na política externa, os ânimos da oposição são acirrados pela
nomeação de Afonso Arinos para o ministério das Relações Exteriores, que
alterou, radicalmente, os rumos da política externa brasileira. O Brasil
começou a se aproximar dos países socialistas,
restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS).
Jânio
Quadros condecora, pessoalmente, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, o líder guerrilheiro revolucionário Ernesto
Che Guevara (19/08/1961), então
ministro de Cuba, e o cosmonauta soviético Yuri Gagarin, além de
receber a visita do presidente cubano, Fidel Castro.
Estes
fatos provocam forte crise nas Forças Armadas e, no dia 25 de agosto de 1961, portanto, menos de um ano após assumir o
cargo, Jânio Quadros renuncia ao mandato sob a justificativa, que perduraria
por anos, de ser levado à decisão por “forças ocultas”. Por certo, naquele
momento, já era acenada a intenção de golpe em nome de bloquear a expansão do
comunismo no continente americano.
A instabilidade política, principalmente dentro das
Forças Armadas, em especial da FAB (Força Aérea Brasileira), impede
que o cargo seja assumido, imediatamente, pelo vice-presidente
João Goulart e é ocupado, interinamente, pelo presidente da Câmara, deputado
Ranieri Mazzilli até que, depois de negociações e muitos entendimentos, Jango assume a Presidência
da República por força da Emenda Constitucional nº 4, de 22 de
setembro de 1961, a qual institui o sistema parlamentar de governo. Com o novo
regime, Tancredo Neves assume o cargo de Primeiro-Ministro, e a Presidência de
Jango, sem poderes de Chefe de Estado, fica limitado.
À época, o Congresso
não se mostrou à altura das responsabilidades que a Emenda Constitucional lhe havia dado, se desgastou em discussões internas e perdeu a grande oportunidade de
consolidar o regime parlamentarista no Brasil, haja vista que, em curto espaço
de tempo, apenas um ano, registrou a passagem de três chefes como
Primeiro-Ministro (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima).
Neste intervalo, organizou-se um plebiscito para
que o povo decidisse pelo “Sim” ou “Não” ao parlamentarismo e, em resultado
arrasador, no dia 6 de janeiro de 1963, o eleitorado nacional decide pela volta
ao presidencialismo e, desta vez, a condução de Jango à Presidência da
República com amplos poderes de Chefe de Estado.
Entretanto, não diferente da gestão de Jânio, João
Goulart sofreu forte oposição política, constrangimentos, acusações de golpe,
impedimento de governança e, com a instabilidade político-militar, as Forças
Armadas, com o apoio de grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos
de cúpula das classes empresariais, bem como a forte aliança, interferência e
influência direta dos Estados Unidos, o caos volta a dominar o país, culminando com o Golpe
Militar que, no dia 31 de março de 1964, pôs fim à Terceira
República (1945-1964).
ACOMPANHE, ABAIXO, OS DIAS QUE
ANTECEDERAM AO GOLPE A PARTIR DE AGOSTO DE 1961 ATÉ A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO
EM 11 DE ABRIL DE 1964
Agosto/1961 – Jânio Quadros renuncia à Presidência da República,
alegando que "forças terríveis" tinham se levantado contra ele.
Muitos especialistas creem que Jânio contava com o veto dos ministros militares
ao vice-presidente, João Goulart, e com uma reação popular que o levasse de
volta à Presidência, dessa vez com superpoderes.
Setembro/1961 – Depois das reações ao veto dos militares, uma solução
de compromisso garante a posse de Goulart sob o regime parlamentarista. Com a
apressada emenda à Constituição, Goulart irá dividir o poder com o
primeiro-ministro. Tancredo Neves é o primeiro a assumir o cargo.
Dezembro/1962 – Apresentação do Plano Trienal, elaborado pelo ministro
Celso Furtado. Os objetivos centrais do plano eram o combate à inflação sem
comprometer o crescimento econômico e buscar promover a realização das reformas
necessárias para um desenvolvimento sustentado.
Janeiro/1963 –
Sistema parlamentarista é derrotado em plebiscito e Goulart recupera os plenos
poderes da Presidência.
Setembro/1963 –
Após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendendo o mandato dos
sargentos eleitos no ano anterior, centenas de sargentos, fuzileiros e soldados
se rebelam em Brasília. Tomam vários prédios públicos e prendem o presidente
interino da Câmara dos Deputados e um ministro do STF. A rebelião é sufocada em
poucas horas, com o saldo de duas pessoas mortas, um militar e um civil. A
quebra da disciplina e da hierarquia causa forte reação na alta oficialidade.
Outubro/1963 –
Goulart pede ao Congresso autorização para decretar o estado de sítio por 30
dias. Não consegue apoio para a medida já que tanto as forças políticas de
esquerda como as de direita temiam ser alvo dos poderes emergenciais.
1964
Janeiro –
Goulart regulamenta a Lei de Remessas de Lucros, que
limitava as transferências de divisas para o exterior, contrariando os
interesses dos investidores estrangeiros.
13 de março –
Pelo menos 150 mil pessoas comparecem ao comício da Central do Brasil, no Rio
de Janeiro, no que seria o início de uma nova campanha em favor das reformas
sociais.
No
comício Goulart assina dois decretos: o primeiro nacionalizava todas as
refinarias de petróleo particulares, o segundo tornava sujeitas à
desapropriação propriedades rurais numa faixa de 10 km à margem de rodovias ou
ferrovias federais.
19 de março –
Milhares de pessoas participam da Marcha da Família com Deus pela Liberdade,
organizada por várias entidades conservadoras, entre elas a SRB
(Sociedade Rural Brasileira) e a UCF (União Cívica Feminina). Segundo
fontes divergentes, os participantes ficaram entre 200 mil e 500 mil pessoas.
20 de março –
O general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército e um dos
coordenadores da conspiração contra o governo democrático, lança uma circular
reservada aos oficiais advertindo sobre o que considerava como perigo latente
nas recentes medidas do presidente da República.
25 de março –
Ministro da Marinha, Sílvio Mota, manda prender dirigentes da Associação de
Marinheiros e Fuzileiros Navais. A tropa enviada para fazer a prisão se recusa
a atacar os colegas e vários fuzileiros se juntam aos insubordinados, no
episódio conhecido como a Revolta dos Marinheiros.
Mota
pede demissão. Após negociações, os marinheiros se entregam e são presos, mas
logo depois são libertados e anistiados.
O
episódio aumenta a irritação dos militares ainda legalistas com a quebra da
hierarquia e disciplina.
30 de março –
Goulart discursa em reunião de sargentos, no Automóvel Clube, no Rio de
Janeiro.
31 de março –
O general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4.ª Região Militar, sediada em
Juiz de Fora (MG), dá início ao golpe ao movimentar – antes do esperado pelos
próprios conspiradores – suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde se
encontrava o presidente. Goulart envia tropas do Rio para deter o levante e
tenta articular apoio militar entre os comandantes do Exército.
1º de abril –
Após a adesão aos revoltosos pelas tropas enviadas do Rio de Janeiro, Goulart
decide deixar o Rio e ir para Brasília. Sem condições de organizar uma
resistência efetiva, decide ir para Porto Alegre.
2 de abril –
Desrespeitando a Constituição do país na época, já que Goulart se encontrava em
território nacional, o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade,
declara vaga a Presidência e empossa interinamente no cargo o presidente da
Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Apesar
disso, o poder de fato passou a ser exercido por uma junta, autodenominada Comando Supremo da Revolução, composta
pelo general Artur da Costa e Silva, almirante Augusto Rademaker Grünewald e o
brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
Em
Porto Alegre, apesar dos apelos de seu cunhado e ex-governador do Rio Grande do
Sul, Leonel Brizola, Goulart percebeu que não havia mais condições para uma
reação ao golpe.
4 de abril –
Goulart deixa o Brasil e pede asilo no Uruguai.
11 de abril –
Um Congresso Nacional já expurgado com as primeiras cassações elege
"respeitosamente" o general Castelo Branco presidente da República.