segunda-feira, 31 de março de 2014

A HISTÓRIA NÃO PODE SE REPETIR – 50 ANOS DO GOLPE MILITAR

As ações e levantes que se observaram nos meses que antecederam ao golpe foram significativos e, apesar de ideia inicial ser de governo transitório, se tornou ditadura
“A crise que se manifesta no país foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, libertando-os da penúria e da ignorância... O momento que estamos vivendo exige de cada brasileiro o máximo de calma e de determinação, para fazer face ao clima de intrigas e envenenamentos, que grupos poderosos estão procurando criar contra o governo, contra os mais altos interesses da Pátria e contra a unidade de nossas Forças Armadas”, este texto é recente e demonstra o atual cotidiano de nossa sociedade, certo? Não, errado.
Esses são os dois primeiros parágrafos do discurso do ex-presidente João Goulart, o Jango, feito há 50 anos, na noite do dia 30 de março de 1964, no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro, durante reunião de sargentos, na véspera do golpe político-militar que ocorrera no dia seguinte, em ação antecipada do comandante da 4.ª Região Militar (sediada em Juiz de Fora – MG), general Olímpio Mourão Filho, surpreendendo até mesmo os próprios conspiradores, com a movimentação de suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde o presidente ainda se encontrava.
Vale destacar o objetivo de Goulart, na reunião de sargentos, em apresentar as propostas tão cobradas das Reformas de Base e que, conforme ficou claro, era apenas uma cobrança da elite da época, dos grupos empresariais e dos militares, apoiados por alguns veículos de comunicação. Na prática, as mudanças não eram almejadas por eles, mas, sim, e principalmente, um clamor do povo que, desde 1961, aguardava por isso.
Tal qual é, em seu princípio, o discurso do, democraticamente eleito, presidente Goulart, também se segue como se fora feito na noite passada, em nossos dias atuais de 2014, ao discorrer: “... Reconheço que há muitos iludidos de boa-fé. Venho adverti-los de que estão sendo manipulados em seus sentimentos por grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais...”.
Naquele momento, em 31 de março de 1964, ao ser informado das medidas da 4.ª Região Militar, Jango determina o envio de tropas do Rio de Janeiro para conter o levante do Exército de Minas Gerais e tenta articular apoio militar entre os comandantes do Exército, não alcançando êxito. João Goulart é deposto e, a partir daí, a sociedade brasileira é embrenhada e submetida a fatos vergonhosos que se seguiriam por mais de 20 anos de ditadura, mesmo que, em seu início, se tenha travestido ou pretendido ser apenas um governo transitório.
A participação efetiva dos Estados Unidos também é evidente, conforme demonstram documentos, até então sigilosos, trocados entre o embaixador e o adido estadunidense no Brasil com o governo de seu país, nos quais são enfatizados o risco iminente de o Brasil, a exemplo do que ocorrera recentemente com Cuba, rumar em direção ao comunismo. E esse é era o grande e pior pesadelo dos Estados Unidos, conforme as conversas gravadas pela própria Casa Branca, considerando que o Brasil poderia vir a ser tornar uma China no hemisfério ocidental.
A nociva e perniciosa atuação do governo estadunidense, tal qual é sua arrogância e prepotência nos dias atuais, é revelada no documentário "O Dia que Durou 21 anos", de Camilo Tavares.
Entre outros documentos da época, o filme retrata as ações de propaganda dos EUA para desestabilizar o governo brasileiro, a criação e o financiamento de supostos institutos de pesquisa anti-Goulart, como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para bancar “pesquisas” e campanhas de 250 candidatos a deputados-federais, oito a governador e 600 a deputado estadual pelo país, visando, principalmente, os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Além de estímulo a greves e artigos na imprensa contra o governo sob o comando da CIA (Agência Central de Inteligência) com vistas à derrocada de regimes, conforme explicado pelo coordenador do Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, Peter Kornbluh.
“Estamos tomando medidas complementares para fortalecer as forças de resistência contra Goulart. Ações sigilosas incluem manifestações de rua pró-democracia, para encorajar o sentimento anticomunismo no Congresso, nas Forças Armadas, imprensa e grupos da igreja e no mundo dos negócios.” Esse é o teor de um dos telegramas enviados a Washington pelo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Harvard Lincoln Gordon, que recebeu carta branca do então presidente estadunidense, Lyndon Johnson, para desestabilizar Goulart, bem como autorizou o envio de navios ao Brasil.
Estava instaurada a Ditadura Militar e, por 21 anos marcaria profundamente a sociedade brasileira e seus reflexos continuam a ecoar até hoje. Os dias que se seguiram ao golpe marcaram e mancharam o povo brasileiro pelo regime de exceção, com o fechado do Congresso Nacional, extinção do pluripartidarismo, forte repressão às manifestações, perseguições, prisões, torturas, assassinatos, censura, além de muitos artistas, sindicalistas, políticos, jornalistas, estudantes, professores e outros profissionais que foram expulsos do país e, por longos anos, obrigados a aguardar pela anistia para poderem retornar. Dos muitos tidos como presos políticos, até hoje não se tem notícias e, daqueles que foram mortos, muita informação ainda é uma sombra, um mistério.
Entretanto, apesar de, neste momento, parecer que o Golpe Militar se deu da noite para o dia ou em alguns poucos meses, na prática, se faz necessário observar como a história transcorreu ao longo dos oito anos anteriores.
Desta forma, em 1956, Juscelino Kubitschek assumia a Presidência da República adotando postura conciliadora à oposição política, permitindo-lhe um governo sem grandes crises. Assim, alcançou considerável crescimento da economia e do setor industrial e sua gestão chegou ao ápice com a construção da nova capital, Brasília, considerada a maior conquista da era JK.
A nova capital demandou forte e alto investimento de recursos financeiros, tendo sido totalmente projetada e inaugurada em 21 de abril de 1960, mesmo ano em que Jânio Quadros é eleito, em outubro, à Presidência da República.
No final de janeiro de 1961, Jânio Quadros toma posse, mas seu governo não é nada popular. Na Economia, movido pela crise financeira aguda causada por intensa inflação, déficit da balança comercial e crescimento da dívida externa, adota medidas drásticas, restringe o crédito, congela os salários e incentiva as exportações.na política externa, os ânimos da oposição são acirrados pela nomeação de Afonso Arinos para o ministério das Relações Exteriores, que alterou, radicalmente, os rumos da política externa brasileira. O Brasil começou a se aproximar dos países socialistas, restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS).
Jânio Quadros condecora, pessoalmente, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, o líder guerrilheiro revolucionário Ernesto Che Guevara (19/08/1961), então ministro de Cuba, e o cosmonauta soviético Yuri Gagarin, além de receber a visita do presidente cubano, Fidel Castro.
Estes fatos provocam forte crise nas Forças Armadas e, no dia 25 de agosto de 1961, portanto, menos de um ano após assumir o cargo, Jânio Quadros renuncia ao mandato sob a justificativa, que perduraria por anos, de ser levado à decisão por “forças ocultas”. Por certo, naquele momento, já era acenada a intenção de golpe em nome de bloquear a expansão do comunismo no continente americano.
A instabilidade política, principalmente dentro das Forças Armadas, em especial da FAB (Força Aérea Brasileira), impede que o cargo seja assumido, imediatamente, pelo vice-presidente João Goulart e é ocupado, interinamente, pelo presidente da Câmara, deputado Ranieri Mazzilli até que, depois de negociações e muitos entendimentos, Jango assume a Presidência da República por força da Emenda Constitucional nº 4, de 22 de setembro de 1961, a qual institui o sistema parlamentar de governo. Com o novo regime, Tancredo Neves assume o cargo de Primeiro-Ministro, e a Presidência de Jango, sem poderes de Chefe de Estado, fica limitado.
À época, o Congresso não se mostrou à altura das responsabilidades que a Emenda Constitucional lhe havia dado, se desgastou em discussões internas e perdeu a grande oportunidade de consolidar o regime parlamentarista no Brasil, haja vista que, em curto espaço de tempo, apenas um ano, registrou a passagem de três chefes como Primeiro-Ministro (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima).
Neste intervalo, organizou-se um plebiscito para que o povo decidisse pelo “Sim” ou “Não” ao parlamentarismo e, em resultado arrasador, no dia 6 de janeiro de 1963, o eleitorado nacional decide pela volta ao presidencialismo e, desta vez, a condução de Jango à Presidência da República com amplos poderes de Chefe de Estado.
Entretanto, não diferente da gestão de Jânio, João Goulart sofreu forte oposição política, constrangimentos, acusações de golpe, impedimento de governança e, com a instabilidade político-militar, as Forças Armadas, com o apoio de grupos de facções políticas, agências de publicidade e órgãos de cúpula das classes empresariais, bem como a forte aliança, interferência e influência direta dos Estados Unidos, o caos volta a dominar o país, culminando com o Golpe Militar que, no dia 31 de março de 1964, pôs fim à Terceira República (1945-1964).

ACOMPANHE, ABAIXO, OS DIAS QUE ANTECEDERAM AO GOLPE A PARTIR DE AGOSTO DE 1961 ATÉ A ELEIÇÃO DE CASTELO BRANCO EM 11 DE ABRIL DE 1964
Agosto/1961 – Jânio Quadros renuncia à Presidência da República, alegando que "forças terríveis" tinham se levantado contra ele. Muitos especialistas creem que Jânio contava com o veto dos ministros militares ao vice-presidente, João Goulart, e com uma reação popular que o levasse de volta à Presidência, dessa vez com superpoderes.
Setembro/1961 – Depois das reações ao veto dos militares, uma solução de compromisso garante a posse de Goulart sob o regime parlamentarista. Com a apressada emenda à Constituição, Goulart irá dividir o poder com o primeiro-ministro. Tancredo Neves é o primeiro a assumir o cargo.
Dezembro/1962 – Apresentação do Plano Trienal, elaborado pelo ministro Celso Furtado. Os objetivos centrais do plano eram o combate à inflação sem comprometer o crescimento econômico e buscar promover a realização das reformas necessárias para um desenvolvimento sustentado.
Janeiro/1963 – Sistema parlamentarista é derrotado em plebiscito e Goulart recupera os plenos poderes da Presidência.
Setembro/1963 – Após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendendo o mandato dos sargentos eleitos no ano anterior, centenas de sargentos, fuzileiros e soldados se rebelam em Brasília. Tomam vários prédios públicos e prendem o presidente interino da Câmara dos Deputados e um ministro do STF. A rebelião é sufocada em poucas horas, com o saldo de duas pessoas mortas, um militar e um civil. A quebra da disciplina e da hierarquia causa forte reação na alta oficialidade.
Outubro/1963 – Goulart pede ao Congresso autorização para decretar o estado de sítio por 30 dias. Não consegue apoio para a medida já que tanto as forças políticas de esquerda como as de direita temiam ser alvo dos poderes emergenciais.
1964
Janeiro – Goulart regulamenta a Lei de Remessas de Lucros, que limitava as transferências de divisas para o exterior, contrariando os interesses dos investidores estrangeiros.
13 de março – Pelo menos 150 mil pessoas comparecem ao comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no que seria o início de uma nova campanha em favor das reformas sociais.
No comício Goulart assina dois decretos: o primeiro nacionalizava todas as refinarias de petróleo particulares, o segundo tornava sujeitas à desapropriação propriedades rurais numa faixa de 10 km à margem de rodovias ou ferrovias federais.
19 de março – Milhares de pessoas participam da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por várias entidades conservadoras, entre elas a SRB (Sociedade Rural Brasileira) e a UCF (União Cívica Feminina). Segundo fontes divergentes, os participantes ficaram entre 200 mil e 500 mil pessoas.
20 de março – O general Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército e um dos coordenadores da conspiração contra o governo democrático, lança uma circular reservada aos oficiais advertindo sobre o que considerava como perigo latente nas recentes medidas do presidente da República.
25 de março – Ministro da Marinha, Sílvio Mota, manda prender dirigentes da Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais. A tropa enviada para fazer a prisão se recusa a atacar os colegas e vários fuzileiros se juntam aos insubordinados, no episódio conhecido como a Revolta dos Marinheiros.
Mota pede demissão. Após negociações, os marinheiros se entregam e são presos, mas logo depois são libertados e anistiados.
O episódio aumenta a irritação dos militares ainda legalistas com a quebra da hierarquia e disciplina.
30 de março – Goulart discursa em reunião de sargentos, no Automóvel Clube, no Rio de Janeiro.
31 de março – O general Olímpio Mourão Filho, comandante da 4.ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora (MG), dá início ao golpe ao movimentar – antes do esperado pelos próprios conspiradores – suas tropas em direção ao Rio de Janeiro, onde se encontrava o presidente. Goulart envia tropas do Rio para deter o levante e tenta articular apoio militar entre os comandantes do Exército.
1º de abril – Após a adesão aos revoltosos pelas tropas enviadas do Rio de Janeiro, Goulart decide deixar o Rio e ir para Brasília. Sem condições de organizar uma resistência efetiva, decide ir para Porto Alegre.
2 de abril – Desrespeitando a Constituição do país na época, já que Goulart se encontrava em território nacional, o presidente do Congresso, senador Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência e empossa interinamente no cargo o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Apesar disso, o poder de fato passou a ser exercido por uma junta, autodenominada Comando Supremo da Revolução, composta pelo general Artur da Costa e Silva, almirante Augusto Rademaker Grünewald e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo.
Em Porto Alegre, apesar dos apelos de seu cunhado e ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, Goulart percebeu que não havia mais condições para uma reação ao golpe.
4 de abril – Goulart deixa o Brasil e pede asilo no Uruguai.
11 de abril – Um Congresso Nacional já expurgado com as primeiras cassações elege "respeitosamente" o general Castelo Branco presidente da República.

O GOLPE POLÍTICO-MILITAR DE 1964 EM 10 CAPÍTULOS

O documentário 1964 Um Golpe Contra o Brasil”, formado pela série de 10 vídeos, produzido pela Rede TVT (TV dos Trabalhadores), Núcleo de Preservação da Memória Política e apoio do governo do Estado de São Paulo, através da Secretaria da Cultura, aborda a conjuntura nacional desde 1960 até o golpe civil-militar de 31 de março de 1964. Quais os interesses, os protagonistas e os fatos que culminaram na ação militar que implantou a ditadura no Brasil.
Este trabalho é dedicado ao ex-presidente João Goulart (Jango)1918/1976, deposto pelo golpe civil-militar de 31 de março de 1964, e à cantora e musicista brasileira Nara Leão1942/1989, “cujo trabalho sintetiza o melhor da música brasileira do seu tempo”.
 “NUM PAÍS COMO O BRASIL, ATÉ MESMO PARA SE FAZER ALGUMAS REFORMAS, É NECESSÁRIO SER MUITO REVOLUCIONÁRIO”, Jacob Gorender (**).
 Curiosidades
Durante o governo do presidente João Goulart, o salário-mínimo equivaleria, em 2013, quando o documentário 1964 Um Golpe Contra o Brasil” foi produzido, a cerca de R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais).
A aplicação das Reformas de Base, tal qual era pretendida pelo governo Jango, e seu vigor até os dias atuais, evitaria que a Educação fosse privatizada e a sociedade teria garantia ao ensino público universal, gratuito e de boa qualidade em todos os níveis.
A Reforma Agrária proposta por Goulart tinha a tendência de se evitar o êxodo rural. Pelo programa, hoje, a tendência era não haver camponeses sem terra e sem trabalho e, portanto, não se teria criado os cinturões de miséria envolta das grandes cidades. Haveria alimentação boa e barata para as famílias brasileiras.
Dentre as metas e ações de governo do presidente João Goulart, se houvesse vigido a Lei de Controle da Remessa dos Lucros das empresas estrangeiras para as suas sedes no exterior, por certo o Brasil evitaria e “não sangraria ‘zilhões’ de dólares ao final de cada ano”. Ainda, o reinvestimento de parte desse dinheiro no próprio Brasil, geraria milhares, e até milhões de novos empregos.
Outro aspecto que deixou reflexos diz respeito à ausência de investimentos em pesquisas e desenvolvimento tecnológico compatível com o desenvolvimento social. Tendo ocorrido isso, conforme era proposto pelas Reformas de Base de Jango, o Brasil não estaria pagando, ou tido pago, fortunas ao capital internacional pela compra de novas tecnologias, e a mudança das ferramentas de produção não teria levado a classe trabalhadora e o povo brasileiro ao desemprego e à miséria nas décadas de 1980 e 1990.
 NÓS SOBREVIVEMOS AO PAU-DE-ARARA... MAS O PAU-DE-ARARA TAMBÉM SOBREVIVEU...
Essa história não pode se repetir...

Veja, abaixo, o link para assistir aos vídeos que compõem o documentário “1964 Um Golpe Contra o Brasil”:
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 1 - http://youtu.be/fwChqqkzR5A
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 2 - http://youtu.be/cI-NtKBig-4
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 3 - http://youtu.be/PqM-rP20hkU
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 4 - http://youtu.be/Opz-z6lSjzI
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 5 - http://youtu.be/3BO5ljhxBGQ
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 6 - http://youtu.be/7TatSLXc2NE
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 7 - http://youtu.be/ImcO4DpuWyg
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 8 - http://youtu.be/G9VEZ3UGN2E
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 9 - http://youtu.be/_Dsf_AOEppo
1964 Um Golpe Contra o Brasil – link vídeo 10 - http://youtu.be/jR4ZWI6uNGg

Conheça as músicas de Nara Leão, como “Menina de Hiroshima”, “Sina de Caboclo”, “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas”, “Manhã de Liberdade” e “Faz Escuro Mas Eu Canto”, através do endereço www.naraleao.com.br.

(**) Jacob Gorender - conforme descrito na Wikipédia - (Salvador, 20 de janeiro de 1923São Paulo, 11 de junho de 2013) foi um dos mais importantes historiadores marxistas brasileiros. Jovem, lutou na Segunda Guerra Mundial, na Itália, como integrante da Força Expedicionária Brasileira. Foi militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual saiu nos anos 60, para participar da fundação do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi preso, quando do Regime Militar. Entre seus trabalhos se destacam: “A burguesia brasileira”, de 1981, e “Combates nas trevas”, de 1987. Sua principal obra foi a tese "O Escravismo Colonial", de 1978, de caráter revolucionário, na medida em que supera o debate sobre o caráter do passado do Brasil – feudalismo e capitalismo. Naquela obra, apresenta teoria para a compreensão da história colonial e imperial brasileira baseado na apresentação de modo de produção historicamente novo, a saber, o escravismo colonial.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

EDITAL PARA CONSTRUÇÃO DE PRESÍDIO EM POÇOS DE CALDAS É ASSINADO

Governador Anastasia anuncia a criação de 5,4 mil vagas no sistema prisional mineiro. Primeiros seis editais serão publicados no “Minas Gerais” desta quarta-feira e obras começam em 90 dias
O governador Antonio Anastasia lançou, nesta terça-feira, 11, na Cidade Administrativa, o Plano Mineiro de Humanização do Sistema Prisional. Durante o evento, foram anunciados editais para construção de 11 presídios e ampliação de outros quatro, que aumentarão em 5.485 o número de vagas prisionais. Serão investidos cerca de R$ 171,6 milhões em recursos do governo de Minas e repasses do Governo Federal.
Deste modo, enfim sai dos gabinetes a tão esperada construção de um presídio em Poços de Caldas, município do Sul do Estado, (foto acima – exemplo de como deverá ser a nova unidade) a qual acontecerá em área com 50 mil m² doada pelo município e que oferecerá 306 vagas.

O atual presídio em Poços de Caldas está instalado em antigo prédio deteriorado pelo tempo e que não oferece condições dignas aos detentos condenados, aos que aguardam julgamento ou cumprem prisão preventiva. Por inúmeras vezes, a própria condição das instalações, com redes elétrica e hidráulica em péssimo estado, além de infiltrações, provocaram rebeliões e tentativas de fuga (foto ao lado). Há muito tempo a antiga cadeia pública de Poços de Caldas, atual presídio, apresenta muitos problemas, principalmente, superlotação de detentos. Com capacidade para 60 presos, é sabido que a casa prisional tem lotação superior a 450% da sua competência.
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Com a presença do secretário de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social, Cássio Soares, dos comandantes das forças de segurança do Estado, coronel Márcio Martins Sant’Ana (Polícia Militar), Cylton Brandão (Polícia Civil) e o coronel Sílvio Antônio de Oliveira Melo (Corpo de Bombeiros Militar), prefeitos de municípios beneficiados, parlamentares, além de integrantes do Sistema Prisional à solenidade, ao anunciar as vagas, Anastasia relembrou da situação encontrada, em 2003, quando a Polícia Civil era responsável pela guarda da maioria dos presos do Estado e o governo de Minas se responsabilizou por mudar o cenário do sistema prisional mineiro.
“Iniciou-se, ali, um processo, gradual, planejado, firme, com muito amparo para nós criarmos unidades prisionais para acolher quer os presos provisórios, quer os presos condenados. Já aumentamos em mais de seis vezes o número de vagas existentes e estamos aumentando esse número em mais 50% até o final de 2015. Sabemos que ainda há um mundo a fazer, mas os avanços são extremamente positivos”, afirmou o governador.
O secretário de Estado de Defesa Social, Rômulo Ferraz, classificou o anúncio das novas vagas como um dia histórico e destacou a transformação do Sistema Prisional do Estado como um legado a ser entregue para a sociedade mineira.
“Temos uma posição diferenciada na questão da gestão prisional. Dos 48 mil presos que temos no sistema prisional, 12 mil trabalham, seis mil presos estudam. Estamos, neste momento, construindo 11 galpões de trabalho nas maiores unidades, quatro dos quais concluídos. Sete serão concluídos até o final do ano. Em dois anos, praticamente, vamos aumentar em 47% a nossa capacidade de acautelamento. É algo extraordinário pelas dificuldades que a gente vê que outros estados enfrentam”, destacou o secretário.
Pacto Nacional
Ao lado do vice-governador Alberto Pinto Coelho, Anastasia falou sobre a importância da parceria entre as diversas esferas de governo e destacou a necessidade de criação de um pacto nacional de combate à violência.
“Abordo a necessidade vigorosa, emergencial, de um grande pacto nacional de preferência ao combate à violência, a favor da segurança pública, com participação das três esferas de governo e da sociedade civil. Tenho certeza que este tema será muito discutido ao longo deste ano e nós temos de lançar holofote sobre ele, porque temos, especialmente em razão das drogas disseminadas hoje, um agravamento da situação da segurança pública em todo o Brasil”, afirmou o governador.
Primeiros Editais
Já na edição de amanhã, 12, do “Minas Gerais”, Diário Oficial do Estado, serão publicados os editais de licitação para as seis primeiras obras, envolvendo a construção de presídios em Itaúna e Poços de Caldas e a ampliação de unidades de Alfenas, Itajubá, Divinópolis e Montes Claros, com criação de 1.740 vagas e investimentos de R$ 58,6 milhões, sendo R$ 46,1 milhões do governo de Minas e o restante do governo federal. Os demais editais deverão ser publicados nos próximos 30 dias. O prazo de entrega será de dez meses após o início das obras.
O presídio de Itaúna, no Centro-Oeste mineiro, terá 306 vagas, com um investimento de R$ 9,8 milhões de recursos do governo de Minas, será construído em terreno de 30 mil m², doado pelo município.
O novo presídio de Poços de Caldas, no Sul de Minas, oferecerá 306 vagas, receberá investimentos da ordem de R$ 10,9 milhões do governo de Minas e será construído em área com o total de 50 mil m², doada pelo município, distante das residências, diferentemente de sua atual localização, próxima ao Centro do município (foto ao lado).
A ampliação do presídio de Alfenas, também no Sul do Estado, irá resultar em mais 306 vagas, com investimentos de R$ 10,3 milhões, sendo R$ 6,9 milhões do governo de Minas e R$ 3,4 milhões do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Ainda no Sul mineiro, a ampliação do presídio de Itajubá passará a contar com mais 306 vagas, um investimento de R$ 7,8 milhões, sendo R$ 4,4 milhões do governo de Minas e R$ 3,4 milhões via Depen.
Não diferente, a ampliação do presídio de Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, oferecerá 306 novas vagas. Serão investidos R$ 10,4 milhões, sendo R$ 7 milhões de aporte do governo de Minas e R$ 3,4 milhões do Depen.
Já a ampliação do presídio de Montes Claros, no Norte de Minas, serão mais 210 novas vagas, com investimentos de R$ 9,4 milhões, sendo R$ 7,1 milhões do governo de Minas e R$ 2,3 milhões do Depen.
A expectativa é de que as primeiras obras comecem dentro de três meses e, a contar da data de início, sejam entregues em 10 meses.
Próximos Editais
Com um total de 3.745 novas vagas, os nove editais restantes serão lançados em até 30 dias e deverão ser investidos cerca de R$ 113 milhões. Serão construídos nove presídios nos municípios de Ubá (388 vagas), Iturama (388 vagas), Machado (388 vagas), Lavras (388 vagas), Pirapora (388 vagas), Barbacena (388 vagas), Esmeraldas (603 vagas), além de duas unidades femininas, uma em Pará de Minas e a outra em Uberlândia, com 407 vagas cada.
Até 2015, o Plano Mineiro vai ampliar o sistema prisional em 14.900 vagas – um incremento de 47% do total de vagas existentes atualmente (31.487). Isso porque, além das construções e ampliações anunciadas hoje, há ainda a entrega de três unidades do Complexo Penitenciário Público Privado (CPPP), em Ribeirão das Neves, construção de sete novas Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs) em Montes Claros, Itabirito, Tupaciguara, Barbacena e Manhumirim, Uberlândia e Alfenas, duplicações de quatro unidades prisionais (Unaí, Governador Valadares, Ipaba e José Maria Alckimin, em Ribeirão das Neves) e implantação de cerca de três mil tornozeleiras eletrônicas.
Fonte: com informações Agência Minas

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

A MALDIÇÃO DO AMIANTO

Vítimas lançam ofensiva internacional para cassar os títulos e prêmios do bilionário Stephan Schmidheiny, ex-dono da Eternit suíça. No Brasil, miram na Ordem do Cruzeiro do Sul, dada a ele pelo ex-presidente FHC


“Permita-me perguntar-lhe, senhor, você já leu algum artigo sobre as vítimas dos campos de concentração nazistas? Aquelas que sobreviveram recebem compensação financeira substancial com todos os direitos possíveis. Quando nós, ex-empregados da Eternit, fomos mantidos completamente ignorantes do fato de que trabalhávamos em um campo de concentração de amianto. Sendo bons funcionários, trabalhamos com o melhor que tínhamos, com completo orgulho e dedicação, para criar o império de cimento de amianto da família Schmidheiny. Mas o que recebemos da ‘Mãe Eternit’? O que adquirimos foi uma bomba com detonador de ação retardada que havia sido implantada em nossos tórax. (...) Peço-lhe que nos ajude a garantir a justiça com a qual temos sonhado para aqueles que deram suas vidas por você, senhor, e por sua família, e seus negócios.”, trecho da carta de João Francisco Grabenweger, operário da Eternit de Osasco, datada de 19 de dezembro de 2003, enviada ao, então, dono da Eternit.

Se depender das vítimas do amianto, 2014 poderá ser o pior ano da vida do bilionário suíço Stephan Schmidheiny. Elas preparam-se para abrir mais uma frente na luta pelo banimento da fibra cancerígena. Desta vez, miram em algo talvez mais valioso do que a própria fortuna do empresário, cuja família fundou a Eternit suíça. Durante o século 20, o grupo industrial plantou fábricas pelo mundo e semeou com elas doenças fatais como asbestose (conhecida como “pulmão de pedra”) e mesotelioma (o chamado “câncer do amianto”). Agora, o alvo de doentes e familiares é o patrimônio imaterial ao qual o suíço dedicou muito dinheiro, batalhões de marqueteiros e os melhores esforços: sua biografia.
No Brasil, os advogados da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) pretendem cassar a prestigiosa Ordem do Cruzeiro do Sul, concedida ao suíço pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1996. A ofensiva faz parte de uma estratégia internacional das vítimas, liderada pela Itália. Desde o ano passado, a organização italiana AFEVA (Associação de Familiares e Vítimas do Amianto) pressiona a Universidade de Yale, nos Estados Unidos, para revogar o título de doutor “honoris causa” em letras humanas, concedido a Schmidheiny também em 1996. Na Venezuela e na Costa Rica, iniciativas semelhantes começam a ser articuladas para pressionar instituições que o premiaram. A meta é apagar um a um os títulos e prêmios exibidos pelo bilionário em sua biografia oficial. Para cada uma das honrarias há um grupo de vítimas se organizando para pressionar pela sua anulação.
Stephan Schmidheiny é um personagem trágico do mundo contemporâneo. Para parte da humanidade um vilão, para outra parte um herói. Durante a década de 90, ele foi extremamente cuidadoso ao construir uma biografia que pudesse apagar – ou pelo menos ofuscar – o seu papel de protagonista naquela que é conhecida como “a maior catástrofe sanitária do século 20”: as dezenas de milhares de mortes no mundo inteiro por contaminação de amianto (asbesto), uma parte significativa delas ocorrida dentro das fábricas da Eternit suíça, de sua família, ou no raio de alguns quilômetros do seu entorno.
Quase conseguiu.
A família Schmidheiny, uma das mais ricas da Suíça, fez fortuna explorando o amianto a partir do início do século 20. Em 1969, aos 22 anos, Stephan chegou a estagiar na fábrica da Eternit em Osasco, na Grande São Paulo, período em que conheceu alguns dos operários que acabariam morrendo pelas doenças causadas pela fibra. Em 1976, aos 29 anos, assumiu a direção dos negócios da Eternit suíça e, segundo sua versão, decidiu encerrar a produção e vender a empresa ao descobrir que o amianto causava doenças graves, algumas delas fatais. Mas a Eternit deixou as mãos da família somente em 1990. Não foi fechada, mas vendida, deixando para os novos donos a lucrativa produção, assim como o passivo humano e ambiental.
É preciso compreender o contexto em que o clã Schmidheiny se retira do negócio responsável por grande parte da sua fortuna durante quase um século. Naquele momento, a Europa já enfrentava o “escândalo do amianto”, com milhares de vítimas. Estima-se que só na França morrerão 100 mil pessoas de doenças relacionadas ao asbesto até 2025. Os primeiros países europeus a vetar a matéria-prima foram a Islândia, em 1983, e a Noruega, em 1984. Progressivamente, o amianto foi sendo eliminado em diversos países até a proibição total pela União Europeia, em 2005. Hoje, o amianto está banido de 66 países, uma lista honrosa da qual o Brasil não faz parte.
Documentos provam que a indústria tinha informações sobre a relação entre amianto e doenças letais desde o início do século 20. Nos anos 30, já havia estudos importantes atestando o potencial mortífero do asbesto, ao ser inalado, causando doenças que levavam anos e até décadas para se manifestar. Uma delas, a asbestose, mata a vítima lentamente por asfixia, ao endurecer o pulmão a ponto de impedir a ação de inspiração/expiração. Milhares de trabalhadores no mundo inteiro morreram asfixiados depois de dedicar sua vida à Eternit suíça e outras empresas de amianto. A maioria deles ainda lutando na justiça por indenização e assistência. No Brasil, empresas como a Eternit criaram um procedimento padrão. Quando os operários estavam perto da morte, quase sem conseguir falar, seus representantes apareciam no hospital oferecendo quantias irrisórias e um documento pronto para assinar, no qual eliminavam a possibilidade de qualquer futura reivindicação judicial pelos familiares. Desesperados, com dor, sem ar, muitas vítimas assinaram os papéis da vergonha.
No primeiro momento, a indústria do amianto negou o caráter tóxico da fibra. Depois, quando se tornou impossível abafar o crescente número de doenças e de mortes de operários, muitos deles
por mesoteliomas e outros tipos de cânceres relacionados à contaminação por asbesto, assim como pesquisas com resultados cada vez mais contundentes, mudou o discurso e passou a disseminar a ideia do “uso controlado do amianto”. Tentava convencer que, com precauções e proteção, era possível continuar produzindo sem arriscar a vida dos trabalhadores. Para isso gastou – e segue gastando – milhões de dólares para pagar marqueteiros, lobistas e cientistas com a missão de fazer essa ideia circular – e preponderar. O Brasil, país em que o amianto é proibido apenas em seis estados (Rio Grande do Sul, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Minas Gerais), é um exemplo de como a estratégia tem funcionado à custa de vidas humanas, de contaminação ambiental e, em breve, de uma sangria considerável nos cofres públicos da saúde e da previdência.
Ao promover sua saída estratégica dos negócios do amianto, Stephan Schmidheiny passou a executar uma espécie de “lavagem de biografia”. O bilionário suíço cunhou o conceito de “ecoeficiência”, tornando-se um dos expoentes da Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e criou as fundações Fundes e Avina. Esta última, bastante conhecida também no Brasil, financia projetos de redução da pobreza em diversos países. Colecionador e conhecedor de arte, circulou desenvolto na cúpula de museus como o prestigiado Museu de Arte Moderna (MoMA), de Nova York. Como “empreendedor moderno e filantropo” fez conferências em universidades da Ivy League americana, como Yale. Em 2003, criou uma entidade chamada Viva Trust, a qual doou US$ 1 bilhão, para financiar os projetos sociais e ambientais da Avina. Neste ato, anunciou sua retirada do mundo dos negócios, distribuindo um cartão no qual, abaixo do seu nome, estava escrito: “piloto de helicóptero e mergulhador”.
A conversão da biografia, de príncipe do amianto para filantropo socioambiental, parecia ter sido concluída com enorme sucesso. Reportagens laudatórias em revistas internacionais – e também brasileiras – o estampavam na capa ou em páginas nobres. Tudo parecia correr muito bem para Stephan Schmidheiny, como havia ocorrido para muitos antes dele em áreas as mais diversas. Até 13 de fevereiro de 2012. Nesta data, ele foi condenado, pelo Tribunal de Turim, a 16 anos de prisão e ao pagamento de 100 milhões de euros pela morte de milhares de pessoas por doenças relacionadas ao amianto, contaminadas em plantas da Eternit na Itália. O crime foi descrito como “desastre ambiental doloso permanente e omissão dolosa de medidas de segurança para os operários”. Em 3 de junho de 2013, a sentença não só foi confirmada em segunda instância, como foi ampliada de 16 para 18 anos de prisão. Está prevista para 2014 a sentença final, em Roma. O outro réu, o barão belga Jean-Louis Marie Ghislain de Cartier de Marchienne, morreu no ano passado. Durante o julgamento, ao qual Schmidheiny não compareceu, o homem que foi festejado na revista americana Forbes como o “Bill Gates suíço” teve seu nome coroado pela palavra “assassino”.
O comportamento da Eternit foi sendo descrito no tribunal, hora após hora, por homens e mulheres que, ou perderam seus pais, mães, maridos, esposas e filhos por doenças causadas pelo amianto, ou estavam na iminência de perder, eles mesmos, sua própria vida em processos cancerígenos dolorosos antes de o julgamento chegar ao fim. Gente como a italiana Romana Blasotti Pavesi, que perdeu o marido, a irmã, um primo, um sobrinho e, por fim, a filha, de mesotelioma causado por amianto. Apenas o marido tinha trabalhado na fábrica. Cidadãos de Casale Monferrato, a cidade dominada por uma planta da Eternit durante quase todo o século 20, relataram o momento em que descobriram que não apenas os operários e seus familiares morriam, mas também pessoas de outras profissões (jornalistas, médicos, professores, etc.), que nunca haviam manipulado diretamente a fibra, mas tinham sido afetados pela contaminação ambiental.
Na sentença, afirma-se que, em 1976, diante das crescentes notícias sobre a relação entre asbesto e doenças crônicas e fatais, a indústria promoveu uma conferência na Alemanha para discutir estratégias para enfrentar o problema sem deixar de produzir com amianto. Stephan Schmidheiny estava presente neste encontro. Também enfatiza-se que ele participou de ações visando confundir a opinião pública ao desqualificar ou lançar dúvidas sobre as pesquisas científicas que comprovavam o efeito nefasto da fibra mineral para a saúde. Por fim, a corte concluiu: “Stephan Schmidheiny estava completamente consciente em 1976 dos estudos epidemiológicos para a relação causal entre aspirar as fibras de amianto e o estabelecimento de doenças”. Após a sentença, a mesma imprensa, que por anos louvou o empreendedorismo, a caridade, a visão e o desprendimento do bilionário, foi obrigada a recuar.
Ao mirarem a biografia de Stephan Schmidheiny, as vítimas do amianto estão disputando a escrita da história. Mas num momento muito particular. Enquanto a maior parte do mundo desenvolvido já baniu a matéria-prima e lida com o passivo humano e ambiental, parte das potências emergentes, como o próprio Brasil, ainda é bastante permeável ao lobby da indústria, quando não conivente com o adoecimento e a morte de pessoas. O Brasil é hoje o terceiro produtor mundial de amianto, o terceiro exportador e o terceiro usuário de amianto. É interessante perceber que, no Brasil, enquanto o amianto rareia nas regiões mais nobres das grandes cidades, continua amplamente usado em favelas e periferias, aldeias indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas, e nas casas de pequenos agricultores, inclusive – e talvez especialmente – na Amazônia.
Neste contexto, a disputa narrativa sobre a biografia de Stephan Schmidheiny torna-se estratégica para a luta pelo banimento do amianto. E poderá definir tanto a aceleração de alguns desfechos como a inclusão de novos capítulos numa história em construção. Não há dúvida de que o amianto é um thriller real que poderia dar um filme tão revelador sobre os métodos de sua indústria quanto foi O Informante” para o ramo do tabaco. Ou mesmo um filme como Obrigado por fumar”, sobre “os lobistas do mal”. Há poucas dúvidas de que passará para a história como um dos maiores escândalos trabalhistas e sanitários do século 20 – e 21. Mas a imagem e o lugar de personagens centrais como Schmidheiny ainda estão em disputa.
No Brasil, a principal protagonista da luta pelo banimento do amianto é a engenheira Fernanda Giannasi. Auditora fiscal do Ministério do Trabalho por 30 anos, ela aposentou-se em agosto para se dedicar em período integral à causa que já lhe rendeu ameaças de morte. “Lutar para retirar a Ordem do Cruzeiro do Sul dada a Schmidheiny é mais uma frente para passar a limpo a história desse crime social ‘quase perfeito’”, afirma. “Essa luta significa a desglamourização de um personagem que foi entronizado pelo movimento ambientalista no início da década de 90 como um guru, mas que faz parte do grande quebra-cabeça que é a extraordinária história desse crime corporativo industrial multinacional, que atravessou todo o século passado quase impune.”
A Ordem do Cruzeiro do Sul é uma condecoração concedida pelo Estado, um reconhecimento dos serviços prestados por um estrangeiro ao país, envolvendo, portanto, o conjunto da população brasileira. Entre as estratégias planejadas pelas vítimas brasileiras do amianto, além de uma intensa campanha nas redes sociais, está a de que um parlamentar assuma a causa e a medalha seja cassada pelo legislativo. Há pelo menos um precedente tramitando no parlamento: o pedido de retirada da Ordem do Cruzeiro do Sul concedida a Alberto Fujimori, ex-presidente do Peru, hoje condenado por graves violações aos direitos humanos.
A lavagem de biografia não é uma novidade histórica. Poderia apenas ser mais explorada por historiadores. Em geral, há um caminho tortuoso e uma fileira de lacunas entre a pessoa de carne, osso, paixões e vilanias e o personagem “limpinho” que vira estátua nas praças de cada cidade. A diferença, do passado para o presente, e, em especial, do presente com internet, é que essa transição pode não ser completada com o sucesso habitual.
Se antes bastava poder econômico e político para criar uma nova imagem, hoje os obstáculos são muitos. A começar pelo fato de atores, até então sem voz, terem passado a gritar nas redes sociais e a organizar campanhas barulhentas com informações que o dono da biografia, até então
heroica, preferiria apagar. Não gritos vazios, mas ancorados em documentação: as vítimas italianas entregaram à Universidade de Yale uma carta de apoio à sua causa com o nome de mais de 70 renomados cientistas do mundo inteiro, assim como as principais conclusões da Corte de Turim, retiradas de uma sentença com mais de 800 páginas. Conectadas pela tecnologia, e articuladas nas redes sociais, as vítimas do amianto prometem enfrentar os marqueteiros e gerenciadores de crise do bilionário suíço e, com pouco dinheiro, mas muitos apoiadores pelo mundo, construir uma narrativa mais complexa para a vida de Stephan Schmidheiny. Disputam a escrita da história não no futuro – mas agora, no presente.
Stephan Schmidheiny não é o único magnata que, depois de uma vida turbulenta no mundo dos negócios, decidiu tornar-se um filantropo. Seja para expiar os pecados anteriores, seja por estratégia de marketing, seja para escapar de futuras condenações, seja por – improvável, mas não impossível – real arrependimento. Seja por tudo isso e mais alguma coisa. O mundo atual é movido por alguns destes homens que investiram ou doaram fortunas obtidas de forma questionável, para dizer o mínimo, em fundações que financiam causas “certas”. Como a própria Fundação Avina, de Schmidheiny, que está longe de ser a única.
Essa realidade traz alguns dilemas éticos a pessoas, até prova em contrário idôneas e bem
intencionadas, que se beneficiam deste apoio para colocar em curso, ações importantes de redução da pobreza, proteção socioambiental ou mesmo de democratização da informação. Parece uma equação simples, mas está longe de ser. Por um lado, o dinheiro obtido de forma questionável, ou mesmo ilícita ou até criminosa, é usado para projetos de importância comprovada. Por outro, aqueles que são financiados por este dinheiro ajudam a promover e a legitimar a lavagem da biografia do doador, ao colaborar para passar uma borracha sobre a história. Movimentos como o das vítimas do amianto, ao mirar na imagem de filantropo de Stephan Shmidheiny, abrem uma discussão espinhosa que poucos estão interessados em levar adiante. Mas que talvez fosse preciso ter a coragem de enfrentá-la, em nome da transparência, mas também porque ampliar a complexidade dos novos dilemas nos amadurece como sociedade.
Vilão ou herói? Stephan Schmidheiny, possivelmente, não é nem um e nem outro, talvez ambos, em momentos e plateias distintas. Entre os seus erros, talvez esteja o de acreditar que poderia se absolutizar como um herói, o que, de fato, quase conseguiu. Mas a Eternit fabricou fantasmas demais, numa época conectada como nenhuma outra antes, para que isso se tornasse possível. Estes fantasmas falam agora pela boca de seus familiares ainda vivos. E falam em rede, para milhões.
Como ser humano, nem herói nem vilão, a tragédia de Stephan Schmidheiny é fascinante. Assumir os atos controversos de sua família por quase um século seria o mesmo que promover a destruição da memória familiar, o que não é fácil para nenhuma pessoa, rico ou pobre. Faz sentido acreditar que a única escolha ética possível teria sido revelar e admitir a parte sombria da história da Eternit, responsabilizar-se pelo passivo humano e ambiental, indenizando e apoiando os trabalhadores, assim como promovendo a descontaminação das cidades onde existiam fábricas. E doar o restante do dinheiro para a pesquisa de tratamento e cura para as doenças do amianto. Não por medo de ser preso, embora ele já tenha dito à imprensa que não ficará “preso em uma cadeia italiana”, mas porque é o moralmente correto, ainda que imensamente duro.
Mas esse caminho não é o dos heróis, só o dos homens. Estes precisam conviver com seus erros e covardias, quando não com as mãos manchadas de sangue, muitas vezes em praça pública. O caminho dos homens não rende títulos em Yale, nem medalhas do Itamaraty, nem lugar de honra em conferências mundiais de meio ambiente, nem destaque em museus badalados de arte. Stephan Schmidheiny preferiu vender a empresa, transferir o passivo para outras mãos e se concentrar em investir na construção de uma imagem de benemérito. Ele, que segundo o Tribunal de Turim foi conivente com tanto mal, quis talvez demais: um lugar na história como herói. E, então, suas vítimas apareceram para lembrá-lo de que é um vilão – e de que os cadáveres permanecerão insepultos enquanto não houver justiça.
Em 19 de dezembro de 2003, João Francisco Grabenweger, operário da Eternit de Osasco, na Grande São Paulo, que, por falar alemão, foi uma espécie de intérprete e cicerone do jovem Schmidheiny em seu estágio na fábrica brasileira, escreveu uma carta ao bilionário. A seguir, um trecho: “Permita-me perguntar-lhe, senhor, você já leu algum artigo sobre as vítimas dos campos de concentração nazistas? Aquelas que sobreviveram recebem compensação financeira substancial com todos os direitos possíveis. Quando nós, ex-empregados da Eternit, fomos mantidos completamente ignorantes do fato de que trabalhávamos em um campo de concentração de amianto. Sendo bons funcionários, trabalhamos com o melhor que tínhamos, com completo orgulho e dedicação, para criar o império de cimento de amianto da família Schmidheiny. Mas o que recebemos da ‘Mãe Eternit’? O que adquirimos foi uma bomba com detonador de ação retardada que havia sido implantada em nossos tórax. (...) Peço-lhe que nos ajude a garantir a justiça com a qual temos sonhado para aqueles que deram suas vidas por você, senhor, e por sua família, e seus negócios.”.
JOÃO FRANCISCO GRABENWEGER MORREU DE ASBESTOSE, EM DOLOROSA ASFIXIA, EM 16 DE JANEIRO DE 2008. NUNCA RECEBEU RESPOSTA. A ETERNIT, EM OUTRAS MÃOS, LHE OFERECEU US$ 27 MIL PARA ABANDONAR SEU PROCESSO JUDICIAL POR INDENIZAÇÃO.
De algum modo sua carta, anos antes do julgamento no Tribunal de Turim, lembrava a Stephan Schmidheiny que, do destino humano, nem aqueles que se acreditam deuses escapam.
(*) Texto original de ELIANE BRUM – escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção “A Vida Que Ninguém vê”, “O Olho da Rua” e “A Menina Quebrada” e do romance “Uma Duas”.
(**) tendo em vista a extensão, complexidade e valor imaterial da produção da autora original, tomei a liberdade de algumas edições sem, contudo, alterar o objetivo central da luta. Deste modo, o material em sua íntegra pode ser acessado através do link: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/06/opinion/1389007120_928954.html

Fonte: El País Brasil