TJ-SP APLICA TEORIA DO
DESVIO PRODUTIVO AO CONDENAR EMPRESAS POR COBRANÇA INDEVIDA
Condenação ainda considera o desvio de competências do
indivíduo para tentar solução de problema causado pelo fornecedor, sucessivas
frustrações pela ineficiência e descaso
Vem ganhando força no Tribunal de Justiça de São Paulo a
aplicação da teoria do desvio produtivo do consumidor: conforme a tese, o tempo
perdido pelo cliente na tentativa de solucionar um problema que não deu causa
lhe acarreta dano indenizável.
Consumidores
têm acionado o Poder Judiciário em busca da reparação do dano que resulta na
injusta perda de tempo, com embaraços, dificuldades, protelações, demora no
atendimento, consertos sabidamente falhos e outras práticas comerciais abusivas
de fornecedores de produtos e serviços.
A 30ª
Câmara de Direito Privado do TJ-SP, por exemplo, em fevereiro, condenou uma
empresa de telefonia a pagar R$ 10 mil de indenização por cobranças indevidas
de um serviço não contratado. Os desembargadores reconheceram que o
condicionamento do plano pós-pago ao “combo digital” constitui venda casada,
prática abusiva vedada pelo Código de Defesa do Consumidor
(artigo 39, I).
“Quantos
serão os consumidores que efetivamente buscam o Poder Judiciário para reverter
a conduta ilícita da requerida? A ré confessa que todos os planos pós-pagos
estão com a referida cobrança, já declarada ilícita. Evidente que o sistema
ofertado favorece o ilícito lucrativo”, afirmou a relatora, desembargadora
Maria Lúcia Pizzotti.
A
empresa Telefônica (Vivo) argumentou que o plano apresenta com destaque a
cobrança dos “serviços de terceiros”, consistente na oferta de Vivo Go Read,
Kantoo e NBA, “parte integrante e indisponível” do plano.
Os
desembargadores, contudo, discordaram: “O argumento de que tais serviços estão
inseridos no contrato, sem cobranças a mais, não prospera. Fosse meramente
elucidativo, o serviço não estaria destacado da cobrança; pouco importa que o
valor do plano outrora prometido ao cliente seja o mesmo. Seja para elidir
aumento na fatura, alterar o regime de tributação, motivos contábeis ou
quaisquer outras razões, fato que a ré cobra por serviços que o consumidor não
aderiu condicionando o plano pós-pago de forma indissociada ao ‘combo
digital’”.
Pizzotti
reconheceu ainda dano moral e aplicou a tese do desvio produtivo do consumidor,
pela qual a condenação deve considerar também o desvio de competências do
indivíduo para a tentativa de solução de um problema causado pelo fornecedor,
com sucessivas frustrações diante da ineficiência e descaso deste.
Origem
A tese
foi criada pelo advogado Marcos Dessaune na obra “Desvio Produtivo do Consumidor”, lançada em 2011 pela
Editora Revista dos Tribunais. Um dos pioneiros no TJ-SP a aplicar a teoria foi
Fábio Podestá, juiz em segundo grau na Subseção I de Direito Privado, também
professor universitário e doutrinador.
Julgado
pela 5ª Câmara de Direito Privado em novembro de 2013, o caso se tratava de
problemas que uma consumidora teve com uma máquina de lavar defeituosa. A
consumidora acabou recebendo uma indenização de R$ 5 mil pelo tempo perdido
para tentativa de solução do problema.
Em
março, a 19ª Câmara de Direito Privado condenou um banco e uma empresa de
crédito por cobranças indevidas em contrato de mútuo. O autor da ação estava em
dia com os parcelamentos da dívida, mas, por erro do banco, passou a ser
insistentemente cobrado pelos réus, até mesmo quando estava em viagem
internacional de férias, o que fez com que tivesse gastos altos com roaming.
O
autor da ação continuou sendo importunado com ligações telefônicas e até carta
de cobrança e, apesar de muitas tentativas, não conseguiu resolver o impasse
extrajudicialmente. O juiz de primeiro grau rejeitou pedido de danos materiais
e morais, porém a sentença acabou reformada pelo TJ-SP.
“O
episódio descrito lhe trouxe expressivo sofrimento íntimo, digno de proteção
jurídica, já que foi injustamente cobrado, por débito regularmente satisfeito,
durante longo período. Experimentou desgaste, perda de tempo, angústias e
aflições”, afirmou o relator Ricardo Pessoa de Mello Belli.
Belli
concluiu que “o desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de
uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as
suas competências de uma atividade necessária ou por ele preferida para tentar
resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade
indesejado, de natureza irrecuperável”.
Dessa
forma, a câmara reconheceu o dano moral e arbitrou a indenização em R$ 5 mil, “conforme
os padrões utilizados por esta turma julgadora para hipóteses análogas,
sobretudo à luz da técnica do desestímulo”.
Fonte: CONJUR/JusBrasil
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