Dólar saltou para R$ 4,73 nesta segunda-feira, 09. (Foto: Getty Images/BBC News Brasil) |
Retração
da economia, paralisação comercial, crise aérea global e queda acentuada das
bolsas no mundo todo podem responder
O surto global do novo
coronavírus levou o mercado financeiro mundial a mergulhar em seu pior momento
desde a crise econômica de 2008.
Nesta segunda-feira, 09, a
Bolsa de Valores de São Paulo (B3) teve suas negociações suspensas
temporariamente após atingir 10% de queda pouco depois do início do pregão –
levando ao acionamento do mecanismo chamado de “circuit breaker”.
O Ibovespa, principal índice
da Bolsa, fechou o dia em queda de 12,17%, caindo a 86.067 pontos, a maior
baixa percentual diária desde 10 de setembro de 1998. Na Bolsa de Nova York,
nos EUA, também houve suspensão nas atividades.
Pacientes com coronavírus devem ficar em isolamento. (Foto: Getty Images/BBC News Brasil) |
O dólar comercial terminou o
dia no Brasil a R$ 4,73, em alta de 2,03%.
Além disso, o preço do
petróleo registrou ao longo do dia a maior queda em quase 30 anos. O valor do
barril do tipo Brent caiu quase 30% na abertura dos mercados na Ásia.
Mas como uma questão de saúde
afeta tanto o humor dos investidores? A BBC News Brasil lista abaixo os cinco
principais fatores para o tombo.
1. O fator China
A epidemia atual do
coronavírus começou na China, e o país asiático é o mais afetado até agora pela
doença causada pelo vírus, a covid-19. Até agora, foram registrados 80.859
casos entre os chineses – 3.122 pessoas morreram.
Com cidades sob quarentena e
empresas fechadas, a segunda maior economia do mundo já começa a sofrer os
impactos da crise sanitária. E, dada a sua importância para o comércio mundial,
começa a afetar seus parceiros.
"A China assumiu um papel
muito importante no comércio mundial. O que ela importa, mas também o que ela
exporta, é muito importante, diretamente, para muitos países, e, indiretamente,
para muitos outros", diz José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe
do Banco Fator, à BBC News Brasil.
"O país compra petróleo,
soja e ferro do Brasil, por exemplo. O que isso significa? Que se a China
crescer menos, vai comprar menos dos brasileiros. E isso vale para todos os
parceiros, é uma coisa enorme no mundo."
O gigante asiático também
vende produtos como peças e equipamentos eletrônicos a outras economias ao
redor do mundo, que, por sua vez, os utilizam para montar produtos vendidos em
território nacional (ou exportados).
"Então, se você tem um
evento lá que interrompe a produção, o fluxo de pessoas e o comercial, o que é
uma questão sanitária na China, vira uma questão econômica lá e no mundo",
diz Lima Gonçalves.
2. Disseminação
Global
Os efeitos da disseminação da
doença, porém, já não estão mais restritos àqueles causados pela desaceleração
chinesa. Nas últimas semanas, o novo coronavírus se espalhou por todos os
continentes, ameaçando uma desaceleração do crescimento econômico e uma redução
nos lucros de grandes empresas ao forçar o fechamento de fábricas, a suspensão
de viagens e o cancelamento de grandes eventos.
Bolsas da Ásia iniciaram a queda generalizada nesta segunda-feira, 09. (Foto: Getty Images/BBC News Brasil) |
Nos Estados Unidos, por
exemplo, onde há 554 casos registrados e 21 mortes, o festival de inovação e
cultura SXSW (South by Southwest), que acontece desde 1987, foi cancelado pela
primeira vez. Gigantes da tecnologia, como Facebook, Google e Amazon fecharam
parte de seus escritórios e aconselharam funcionários a trabalharem de casa.
A Itália colocou todo o país
em quarentena enquanto luta para conter a disseminação do coronavírus. O país
europeu é o segundo com mais mortes no mundo, com 463 vítimas da covid-19 (ao
todo, são 9.172 infectados).
Com o aumento do número de
casos em cada vez mais países, muitos lugares têm adotado restrições a viagens
para tentar conter o avanço do surto. Com isso, o setor aéreo tem sido
fortemente impactado, com cancelamentos de voos pelas empresas e pelos
passageiros. Países que dependem da atividade turística também podem sofrer com
a redução da movimentação.
Estimativa da Associação
Internacional de Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês) indica que as companhias
aéreas podem perder até US$ 113 bilhões (R$ 523 bilhões) em receita este ano
devido ao impacto do vírus.
Dados os efeitos esperados na
produção e receita das empresas e no comércio exterior, economistas já
começaram a revisar suas projeções para o crescimento mundial neste ano.
A Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), conhecida como "clube dos
países ricos", anunciou na semana passada que a economia global pode
crescer na taxa mais baixa desde 2009.
A instituição prevê um crescimento
global de 2,4% em 2020, uma queda em relação à previsão feita em novembro, de
2,9%.
Para a OCDE, se o surto for
mais duradouro e intenso, ele pode derrubar essa taxa para 1,5% em 2020.
3. Segurando Gastos
Diante da expectativa de que o
mundo cresça menos, a disposição dos investidores e empresas para gastar também
diminui.
"Quem vai investir nesse
mundo? Se você ia comprar uma máquina para produzir mais, mas o mundo vai
comprar menos, não tem porque investir nesse equipamento. Tudo que era investimento
vai ser revisto, porque a expectativa é que a contração do comércio contraia a
economia", diz Lima Gonçalves, do Fator.
Brasil investiga mais de 930 casos suspeitos de coronavírus. (Foto: EPA/BBC News Brasil) |
"E se você para, o seu
fornecedor para também. E, como não está produzindo, começa a demitir. Quem
vende para essas pessoas demitidas também é impactado, e isso pode gerar uma
recessão. E quanto mais demora (para melhorar), mais eu perco. E aí todo mundo
coloca o pé no freio."
Um relatório da Conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad, na sigla em inglês)
prevê que o avanço do coronavírus deve gerar redução de 5% a 15% no fluxo de
Investimento Estrangeiro Direto (IED) no mundo neste ano.
A previsão anterior era de
alta de 5%.
A incerteza também impacta os
consumidores, de duas maneiras: o temor com o estado da economia pode afetar
seus gastos no curto e médio prazos, fazendo-os comprar menos e poupar mais –
afetando, novamente, a atividade econômica; e levando-os a evitar atividades
que poderiam expô-los ao risco de infecção, como sair para fazer compras, por
exemplo.
Restaurantes, revendedoras de
carros e lojas já têm registrado quedas na demanda.
As vendas de carros na China,
por exemplo, caíram 92% durante a primeira metade de fevereiro. Por outro lado,
fabricantes como Tesla e Geely estão vendendo mais pela internet.
Entregas de telefones
celulares também devem sofrer um grande recuo no primeiro semestre de 2020 – o setor
estima, por outro lado, que a recuperação seria rápida.
A Apple já detectou essa
demanda fraca.
4. Tchau, Brasil
Tudo isso tem impacto direto
nos mercados financeiros. Em um cenário de incerteza global, os investidores
querem fugir de aplicações que representem risco. Por isso, a tendência é que
tirem dinheiro de bolsas de valores, especialmente em países emergentes, e
invistam em ativos mais seguros, como ouro, dólar e títulos de dívida de
economias consideras seguras.
Os voos parecem estar operando nos aeroportos de Milão, apesar da quarentena. (Foto: AFP/BBC News Brasil) |
"[Em uma situação como
essa], você vai fazer o que com o seu dinheiro? Vai investir no Brasil? Não.
Porque ele não vai crescer. Os juros que paga são muito baixos [a taxa Selic
está atualmente em 4,25% ao ano] e não tem como ganhar dinheiro com aquela
economia", diz Lima Gonçalves.
"Então, vou tirar meu
dinheiro de lá e colocar nos EUA, Suíça, Japão, em que eu sei que vou perder
1%. Aqui [no Brasil], se você comprar na Bolsa, pode perder 10%, 35%. Então,
isso faz todo mundo ficar mais cauteloso e tirar dinheiro dos países que devem
sofrer mais com isso, os emergentes e os países que apresentam maior
dificuldade."
Para Eduardo Velho,
estrategista da INVX Global, o grande canal de impacto no Brasil é a taxa de
câmbio, "porque ela absorve todo o efeito desse choque externo".
"Em um cenário de menor
crescimento econômico e menor faturamento das empresas, as pessoas demandam
mais moeda ou ativos de segurança", afirma.
5. E o Petróleo
Nisso Tudo?
A forte queda no preço do
petróleo foi atribuída à decisão da Arábia Saudita de aumentar substancialmente
sua produção e começar a oferecer em certos mercados descontos de até 20% nos
preços do petróleo bruto.
A Arábia Saudita é o maior
exportador de petróleo do mundo e é considerada uma líder não declarada da Opep
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo).
Ela tem uma capacidade de
produzir mais de 12 milhões de barris diários, o que lhe permite aumentar ou
reduzir sua produção com muito mais facilidade que outros países do mercado.
A Arábia Saudita e a Rússia parecem ter desistido de seguir cooperando para estabilizar o preço do petróleo. (Foto: Getty Images/BBC News Brasil) |
Depois de uma baixa nos preços
do petróleo que começou em 2014, no final de 2016 um grupo conhecido como OPEP+
se formou, reunindo todos os países membros dessa organização e outros
produtores. Entre eles, a Rússia, com o objetivo de coordenar cortes de
produção que permitiriam recuperar preços.
A estratégia funcionou e foi
se alongando até a última sexta-feira, 06, quando uma proposta de novos cortes
para fazer frente aos desafios impostos pelo coronavírus foi rechaçada por
Moscou. O país árabe, então, optou por aumentar sua produção.
Segundo analistas, a decisão
atual seria o primeiro passo de uma guerra de preços entre a Arábia Saudita e a
Rússia.
Depois da ruptura do acordo,
muitos especialistas consideraram que a Rússia estava efetivamente apostando em
deixar cair um pouco o preço do petróleo para tentar debilitar os produtores
americanos, que têm custos de produção mais altos e, portanto, podem ser
vulneráveis ante uma queda continua dos preços.
Embora a Arábia Saudita também
tenha na mira as empresas petrolíferas americanas, os especialistas acreditam
que sua nova política significaria a abertura de uma guerra de preços contra a
Rússia.
Quais as Perspectivas
de Melhora?
De acordo com os analistas, é
difícil dizer qual notícia poderia, neste momento, melhorar o ambiente nos
mercados. "Ainda não está visível o que seria um sinal de melhora. Você
precisa ter um sinal muito claro de que [o vírus] parou de se espalhar, que é o
primeiro passo para dizer que os prejuízos vão ser interrompidos", diz o
economista-chefe do Banco Fator.
"As perdas não serão
revertidas, mas para de piorar. E aí você baixa um pouco o nível de incerteza,
e a coisa pode melhorar de maneira importante. Quando? Não faço ideia. Quanto
tempo leva para melhorar? Não sei, depende de quanto tempo dura [o
surto]."
Nesta segunda-feira, 09, a
economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Gita Gopinath, afirmou
que será necessária uma resposta internacional coordenada para conter os danos
econômicos da epidemia de coronavírus, envolvendo medidas de políticas
monetária e fiscal.
"Os governos vão ter que
gastar, com foco em saúde e foco em emprego, isso é a parte boa dessa
discussão", afirma Lima Gonçalves.
"A perspectiva de
curtíssimo prazo ainda é de uma piora adicional. Mas uma ação coordenada dos
bancos centrais, em política monetária e cambial, limita isso", diz
Eduardo Velho, da INVX.
Para ele, tanto o surto de
coronavírus quanto o choque do petróleo serão resolvidos – no segundo caso, ele
aposta na disposição da Rússia de negociar. "É preciso, porém, ver quanto
tempo isso vai demorar."
Fonte: BBC News Brasil
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