Prateleiras vazias em supermercado de Paris: pânico pode se espalhar mais rápido do que Coronavírus. (Foto: Amaury Cornu/Hans Lucas/AFP) |
Especialista
em psiquiatria alerta que a transmissão do pânico pode ser acelerada em tempos
de rede social, mas há maneiras de reduzir sua velocidade
A pandemia do medo, tão grave quanto a do Novo
Coronavírus (Covid-19), agrava os problemas mundo afora. O professor
do Departamento de Psiquiatria, do Instituto de Neurociência Molecular e
Comportamental da Universidade de Michigan (EUA), Jacek
Debiek alerta, no The Conversation (com tradução de Oscar Valporto para o
#Colabora), que a paranoia se
torna mais venenosa devido às redes sociais, mas há como estancá-la.
À medida que os casos de Covid-19 se proliferam, há uma
pandemia de medo se desenrolando ao lado da pandemia do Novo Coronavírus. A
mídia anuncia o cancelamento em massa de eventos públicos “por causa do medo do
Coronavírus”. As estações de TV mostram imagens de “compras por pessoas em
pânico pelo Coronavírus”. Revistas discutem ataques contra asiáticos provocados
por “medos racistas por Coronavírus”.
Devido
ao alcance global e à natureza instantânea da mídia moderna, o contágio do medo
se espalha mais rapidamente que o vírus perigoso, porém invisível. Observar ou
ouvir alguém que está assustado também faz você ficar assustado, sem
necessariamente saber o que causou o medo da outra pessoa.
Como psiquiatra e pesquisador que estuda os mecanismos
cerebrais de regulação social das emoções, vejo frequentemente em ambientes
clínicos e experimentais quão poderoso pode ser o contágio do medo.
O contágio do medo é um fenômeno evolutivamente antigo que
os pesquisadores observam em muitas espécies animais. Pode servir uma função
valiosa de sobrevivência. Imagine um rebanho de antílopes pastando na
ensolarada savana africana. De repente, um deles percebe a presença de um leão.
O antílope congela momentaneamente. Em seguida, dispara rapidamente uma chamada
de alarme e foge do predador. Em um piscar de olhos, outros antílopes seguem.
Cérebros
são conectados para responder a ameaças no ambiente. A visão, o cheiro ou os
sinais sonoros que sinalizam a presença do predador acionaram automaticamente
as respostas de sobrevivência do primeiro antílope: primeiro, imobilidade e,
depois, fuga.
Amígdala cerebral (em rosa) recebe informações sensoriais e detecta rapidamente estímulos associados ao perigo. (Imagem: BSIP/AFP) |
A amígdala cerebral, uma estrutura enterrada profundamente no lado da
cabeça no lobo temporal do cérebro, é fundamental para responder a ameaças. Ele
recebe informações sensoriais e detecta rapidamente estímulos associados ao
perigo.
Em seguida, a amígdala encaminha o sinal para outras áreas
do cérebro, incluindo as áreas do hipotálamo e do tronco cerebral, para
coordenar ainda mais as respostas de defesa específicas.
Esses resultados são comumente conhecidos como medo,
congelamento, fuga ou luta. Nós, seres humanos, compartilhamos esses
comportamentos inconscientes automáticos com outras espécies animais.
Isso
explica o medo direto que o antílope sentiu ao farejar ou avistar um leão por
perto. Mas o contágio do medo vai um passo além. Os antílopes em fuga, seguindo
um membro assustado do grupo, também agiram automaticamente. Sua fuga, no
entanto, não foi iniciada diretamente pelo ataque do leão, mas pelo
comportamento aterrorizado do integrante grupo – que, após congelar
momentaneamente, soou o alarme e fugiu. O grupo inteiro percebeu o terror do
indivíduo e agiu de forma semelhante.
Medo versus Humanos
Como
outros animais, as pessoas também são sensíveis ao pânico ou ao medo expresso
por nossos parentes ou amigos. Os seres humanos estão admiravelmente ligados em
detectar as reações de sobrevivência de outras pessoas.
Estudos
experimentais identificaram uma estrutura cerebral, chamada Córtex Cingulado
Anterior (ACC), como vital para essa habilidade. Ele envolve o feixe de fibras
que conectam os hemisférios esquerdo e direito do cérebro. Quando você vê outra
pessoa expressar medo, seu ACC acende. Estudos em animais confirmaram que a
mensagem sobre o medo de outra pessoa viaja do ACC para a amígdala, onde as
respostas de defesa são desencadeadas.
Prateleiras de carne vazias em supermercado perto de Boston (EUA): desabastecimento em consequência do medo da Covid-19. (Foto: Joseph Prezioso/AFP) |
Faz
sentido que um contágio automático e inconsciente do medo tenha evoluído em
animais sociais. Isso pode ajudar a impedir a morte de um grupo inteiro, ligado
por parentesco, protegendo todos os seus genes compartilhados para que possam
ser transmitidos às gerações futuras. De fato, estudos mostram que a
transmissão social do medo é mais forte entre os animais, incluindo os humanos,
que têm parentesco ou pertencem ao mesmo grupo. Em relação a estranhos, essa
transmissão é menos robusta.
No
entanto, o contágio do medo é uma maneira eficaz de transmitir respostas de
defesa não apenas entre membros do mesmo grupo ou espécie, mas também entre espécies.
Muitos animais, através da evolução, conseguiram adquirir a capacidade de
reconhecer chamadas de alarme de outras espécies. Os gritos de pássaros, por
exemplo, são sabidamente responsáveis por desencadear respostas de defesa em
muitos mamíferos. O contágio do medo acontece automática e inconscientemente,
dificultando o controle. Esse fenômeno explica ataques de pânico em massa que
podem ocorrer durante concertos de música, eventos esportivos ou outras
reuniões públicas. Uma vez que o medo é desencadeado na multidão – talvez
alguém tenha pensado ter ouvido um tiro – não há tempo ou oportunidade para
verificar as fontes de terror. As pessoas devem confiar umas nas outras, assim
como os antílopes. O medo viaja de um para o outro, infectando cada indivíduo à
medida que avança. Todo mundo começa a correr por suas vidas. Com muita
frequência, esse pânico em massa acaba em tragédia.
Transmissão do Pânico
O
contágio por medo não requer contato físico direto com outras pessoas. A mídia
que distribui imagens e informações aterrorizantes pode, efetivamente, espalhar
o medo. Além disso, enquanto os antílopes na savana param de correr quando
estão a uma distância segura de um predador, imagens assustadoras no noticiário
podem mantê-lo com medo. A sensação de perigo imediato nunca desaparece. O
contágio por medo pode se espalhar facilmente através das redes sociais e de
noticiários 24h no ar.
Não
há como impedir que o contágio do medo entre em ação – é automático e
inconsciente, afinal – mas você pode fazer algo para mitigá-lo. Por ser um
fenômeno social, muitas regras que governam os comportamentos sociais valem
para situações como está no mundo.
Buscas por coronavírus no Google disparam após OMS constatar pandemia: contágio pelo medo facilitado por sociedade conectada 24h por dia. (Foto: David Humbert/AFP) |
Além
de informações sobre medo, informações sobre segurança também podem ser
transferidas socialmente. Estudos descobriram que estar na presença de uma
pessoa calma e confiante pode ajudar a superar o medo adquirido através da
observação de outras pessoas. Por exemplo, uma criança aterrorizada por um
animal estranho se acalma se um adulto calmo estiver presente. Esse tipo de
modelagem de segurança é especialmente eficaz quando você fica de olho em
alguém próximo a você ou em quem você confia, como um responsável ou uma
autoridade.
Além
disso, ações importam mais do que palavras – mas palavras e ações devem estar
combinadas. Por exemplo, explicar às pessoas que não é necessário uma pessoa
saudável usar máscara protetora e, ao mesmo tempo, mostrar imagens de um
presumivelmente saudável pessoal de triagem da COVID-19 usando roupas de
proteção é contraproducente. As pessoas vão comprar máscaras porque veem
figuras de autoridade usando-as quando enfrentam perigos invisíveis.
Mas
as palavras ainda importam. Informações sobre perigo e segurança devem ser
fornecidas claramente com instruções diretas sobre o que fazer. Quando você
está sob estresse significativo, é mais difícil processar detalhes e nuances.
Reter fatos importantes ou mentir aumenta a incerteza, e a incerteza aumenta os
medos e a ansiedade.
A
evolução da sociedade ligou os seres humanos, permitindo compartilhar ameaças e
medos com os outros. Mas também nos equipou com a capacidade de lidar com essas
ameaças juntos.
Fonte: Portal Projeto
Colabora
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