Pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional provocou uma série de críticas de autoridades. (Foto: Reprodução/Palácio do Planalto) |
Trechos
do discurso de Bolsonaro foram analisados à luz das evidências científicas
divulgadas até agora e da experiência de outros países
Em pronunciamento em cadeia
nacional de rádio e televisão nesta terça-feira, 24, o presidente Jair
Bolsonaro atacou governadores, criticou o fechamento de escolas e comércio, e
disse que o Brasil deveria "voltar à normalidade" mesmo em meio à
pandemia da SARS-Cov-2, o Novo Coronavírus (Covid-19.
A fala rapidamente provocou
repúdio de parlamentares, profissionais de saúde, opositores e até aliados do
presidente.
Nas redes sociais,
simpatizantes de Bolsonaro elogiaram o tom de preocupação com a economia, mas
também criticaram o pronunciamento.
"Não me arrependi de ter
votado no Bolsonaro, mas esse posicionamento dele diante do Covid-19 tá dando
uma vergonha fora do normal", disse um usuário.
A BBC News Brasil analisou
trechos do discurso do presidente à luz das evidências científicas divulgadas
até agora e da experiência de outros países. Confira abaixo. A íntegra do
discurso está no final da reportagem.
Em seu discurso, Bolsonaro disse que a imprensa espalhou 'pavor' a partir das mortes na Itália. (Foto: Daniel Dal Zennaro/EPA) |
Jair Bolsonaro: Mas o
que tínhamos que conter naquele momento era o pânico, a histeria e ao mesmo
tempo traçar a estratégia para salvar vidas e evitar o desemprego em massa.
Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos. Grande parte dos meios de
comunicação foram na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor,
tendo como carro-chefe o anúncio do grande número de vítimas na Itália. Um país
com grande número de idosos e com um clima totalmente diferente do nosso.
A Itália é hoje o país com o
maior número de mortos por covid-19 (mais de 6,8 mil), a doença causada pelo Novo
Coronavírus. O país ultrapassou a China, epicentro da pandemia nesse quesito,
no dia 19.
De fato, a Itália tem uma
grande população de idosos (23%). Proporcionalmente, é a segunda maior do mundo,
depois do Japão (27%). Aproximadamente, um a cada quatro italianos tem mais de
65 anos. No Brasil, essa proporção é de um a cada dez (14%).
O país, assim como o restante
da Europa, está agora na primavera, mas o surto de coronavírus teve início
durante o inverno, quando as temperaturas dificilmente ultrapassam 15 graus,
especialmente no Norte do país, a região mais afetada até agora. Gripes e
resfriados também são mais comuns durante o inverno.
O alto percentual de idosos da
Itália, no entanto, não é a única explicação para o número elevado de mortes. O
segundo país mais afetado da Europa, a Espanha, com 43 mil casos confirmados
até agora, tem, proporcionalmente, a 14ª maior população de idosos.
Já a Alemanha, apesar de sua
enorme população de idosos (21%), tem até agora uma das mais baixas taxas de
mortalidade entre os maiores países da Europa.
A quantidade de leitos de UTI
disponíveis, 25 mil, comparada à de países como a Itália, 5 mil, vem sendo
apontada como uma das razões. Ou seja, o Brasil pode ter a suposta vantagem
demográfica comprometida pela capacidade do sistema de saúde.
Ainda que idosos sejam o
principal grupo de risco da doença – têm mais chances de desenvolver os
sintomas mais graves e morrer em decorrência dela, não são os únicos afetados
pelo Covid-19. Qualquer pessoa com doenças pré-existentes, independentemente de
sua faixa etária, também.
Além disso, na semana passada,
a OMS (Organização Mundial da Saúde) emitiu um alerta aos jovens.
"Tenho uma mensagem para
os mais jovens: vocês não são invencíveis; o vírus pode colocá-los no hospital
por semanas ou até matá-los. Mesmo se vocês não ficarem doentes, as escolhas
que vocês fazem sobre aonde vão podem significar a diferença entre a vida e a
morte para outra pessoa", disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom
Ghebreyesus.
Em entrevista recente à BBC
News Brasil, Willem van Schaik, professor do Instituto de Microbiologia e
Infecção da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, disse "ser muito
errado pensar que aqueles abaixo de 50 anos sempre vão ter sintomas leves:
haverá indivíduos mais jovens e muito doentes também e eles vão precisar de
tratamento".
Embora o risco de morte por Covid-19
entre aqueles abaixo de 50 anos, especialmente os mais jovens, de até 30 anos,
seja extremamente raro, o problema é que eles, justamente por serem menos
suscetíveis a desenvolver os sintomas mais graves da doença, acabam expondo-se
mais ao risco e, como resultado, podem ocupar leitos que poderiam ser destinados
àqueles que mais precisam.
Em relação ao clima, não há
garantias de que temperaturas mais amenas interrompam o surto. Vale lembrar que
uma variedade diferente de coronavírus – causador da Síndrome Respiratória do
Oriente Médio (Mers), por exemplo – surgiu no verão, na Arábia Saudita. Além
disso, é em abril que o número de infecções respiratórias começa a subir no
Brasil, principalmente no Sul do país.
Coronavírus deixou as ruas vazias e fez as pessoas buscarem proteção ao sair de casa. (Foto: Buda Mendes/Getty Images) |
Bolsonaro: É essencial
que o equilíbrio e a verdade prevaleçam entre nós. O vírus chegou, está sendo
enfrentado por nós e brevemente passará.
O primeiro caso de coronavírus
confirmado no Brasil foi o de um empresário de 61 anos de São Paulo que viajou
à Itália e voltou ao país no início de março com os sintomas da doença. A
primeira morte, um homem de 62 anos, também de São Paulo, foi registrada no dia
17.
Desde então, já houve
transmissão comunitária do vírus – quando ele já circula livremente e já não é
mais possível rastrear a origem de todos os casos confirmados.
O Ministério da Saúde vem
tomando medidas para mitigar o contágio, como distanciamento social e
regulamentação da telemedicina.
Mas em países que já sofreram –
ou estão sofrendo – a pior fase da pandemia, o vírus não sumiu naturalmente.
Tampouco conseguiram debelá-lo "brevemente" sem tomar medidas duras.
A China, por exemplo, isolou
várias cidades com milhões de habitantes e construiu hospitais em menos de uma
semana para lidar com a emergência. Foram necessários três meses desde o início
do surto para que o país não mais registrasse casos locais, o que aconteceu no
dia 19 de março.
Já a Coreia do Sul,
considerada um exemplo no combate à pandemia, dado o baixo número de mortos,
apesar do alto número de infectados, realizou testes em massa.
"A Coreia do Sul monitora
10 mil pessoas por dia, muitas das que tiveram resultados positivos
apresentaram sintomas leves", explicou Benjamin Cowling, professor de
epidemiologia da Universidade de Hong Kong, à BBC.
Além disso, dados mostram que
a curva de contágio no Brasil segue a mesma tendência observada em outros
países do mundo, com o número de casos confirmados dobrando inicialmente a cada
três a quatro dias.
Presidente criticou medidas como o fechamento do comércio, que esvaziaram marcos como a Avenida Paulista, em São Paulo. (Foto: Amanda Perobelli/Reuters) |
Bolsonaro: Nossa vida
tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve
ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades
estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a
proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa.
A preocupação com a economia é
generalizada em todo o mundo. Na semana passada, o governo federal anunciou um
pacote emergencial de R$ 147,3 bilhões contra o impacto do coronavírus. Segundo
o ministro da Economia, Paulo Guedes, as ações visam a proteger a população
mais vulnerável e manter empregos.
Os Estados Unidos foram além.
Congressistas republicanos e democratas anunciaram nesta quarta-feira, 25, um
acordo preliminar para um pacote de estímulos econômicos que deve injetar US$ 3
trilhões na economia.
A imensa maioria dos países
que sofreu ou ainda está sofrendo os efeitos perversos do coronavírus não se
furtaram a decretar medidas duras, fechando comércios não-essenciais e
confinando as pessoas em casa.
Itália, França e Espanha
determinaram que a população não saia de casa a não ser para ir ao
supermercado, à farmácia ou ao hospital – e ao trabalho para aqueles que
prestam serviços essenciais que não possam ser feitos remotamente.
Quem descumprir a ordem está
sujeito a multas e até prisão. O objetivo é "achatar a curva", ou
seja, reduzir o número de infectados e evitar a saturação dos sistemas de
saúde.
Bolsonaro:
O que se passa no mundo tem mostrado que o grupo de risco é o das pessoas acima
dos 60 anos. Então, por que fechar escolas? Raros são os casos fatais de pessoas
sãs, com menos de 40 anos de idade. Noventa por cento de nós não teremos
qualquer manifestação, caso se contamine.
Ainda que as crianças tenham
menos probabilidade de desenvolver os sintomas mais graves da doença, podem
transmiti-la para os mais velhos. São consideradas, assim,
"super-transmissores".
Além disso, adultos que
trabalham nas escolas podem infectar uns aos outros, além de expor a todos
(pais, alunos e outros profissionais) ao vírus. Jovens também podem espalhar a
doença.
Além disso, segundo a OMS, em
80% (e não 90%) dos casos confirmados de coronavírus, os pacientes tiveram
sintomas leves, parecidos aos de uma gripe, e se recuperaram sem ter a
necessidade de cuidados intensivos.
Em conversa com a imprensa na manhã desta quarta, Bolsonaro repetiu retórica. (Foto: Andressa Anholete/Getty Images) |
Bolsonaro: Devemos sim
é ter extrema preocupação em não transmitir o vírus para os outros, em especial
aos nossos queridos pais e avós, respeitando as orientações do Ministério da
Saúde. No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse
contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria
quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse
aquele conhecido médico daquela conhecida televisão.
Atletas não estão imunes a
contrair o coronavírus e a desenvolver os sintomas mais graves da doença. Mas,
por serem mais jovens e cuidarem dos pilares necessários para manter uma boa
imunidade, podem debelá-la com mais facilidade, dizem especialistas.
Mesmo assim, o nadador
sul-africano Cameron van der Burgh, de 31 anos, medalhista de ouro nos Jogos
Olímpicos de 2012, contraiu coronavírus e disse estar com problemas para
executar tarefas simples.
"É, de longe, o pior
vírus que já encarei, apesar de ser um indivíduo saudável com pulmões fortes
(não fumar/praticar esporte), viver um estilo de vida saudável e ser
jovem", disse o nadador na última segunda-feira, 23.
"Ainda que os sintomas
mais severos (febre alta) tenham diminuído, sinto ainda um forte cansaço e uma
tosse residual da qual não consigo me livrar. Qualquer atividade física, como
andar, acaba me deixando exausto por horas", acrescentou Van der Burgh,
que concluiu: "A covid-19 não é piada".
Além dele, o francês Earvin
Ngapeth, de 29 anos, astro do vôlei, também recebeu diagnóstico positivo de
infecção pelo vírus. O campeão mundial afirmou ter passado "três dias
complicados" e precisou ser internado.
Em nota, a Sociedade
Brasileira de Infectologia disse que "neste difícil momento da pandemia de
Covid-19 em todo o mundo e no Brasil, trouxe-nos preocupação o pronunciamento
oficial do presidente da República Jair Bolsonaro, ao ser contra o fechamento
de escolas e ao se referir a essa nova doença infecciosa como 'um
resfriadinho'".
"Tais mensagens podem dar
a falsa impressão à população que as medidas de contenção social são
inadequadas e que a Covid-19 é semelhante ao resfriado comum, esta sim uma
doença com baixa letalidade", acrescentou a entidade.
Segundo alerta a Sociedade
Brasileira de Imunologia (SBI), a "Covid-19 não é um resfriado, mesmo que
muitos infectados apresentem sintomas similares. Ela é uma doença que em sua
forma mais grave leva o infectado a um quadro agudo de pneumonia".
Fala de Trump sobre a cloroquina levou a corrida às farmácias brasileiras. (Foto: Mandel Ngan/AFP) |
Bolsonaro: Enquanto
estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA [órgão de
controle de medicamentos] americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo,
buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso
governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil,
largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.
Pesquisas recentes mostraram
resultados positivos, em caráter preliminar, na administração da
hidroxicloroquina no tratamento de pacientes com coronavírus.
Uma dessas pesquisas foi
publicada por cientistas chineses na revista científica Nature e trouxe conclusões
promissoras desse medicamento para combater o Novo Coronavírus em células do
rim de uma espécie de macacos.
No entanto, ainda não há
comprovação da eficácia e da segurança da hidroxicloroquina – ou de qualquer
outro medicamento – no combate a Covid-19.
Nos Estados Unidos, um homem
morreu e uma mulher foi internada depois de fazer uso da droga sem supervisão
médica.
No Brasil, a notícia de que a
medicação poderia combater a doença, após fala do presidente americano, Donald
Trump, provocou uma corrida às farmácias e fez com que a Anvisa (Agência de
Vigilância Sanitária) restringisse sua venda.
Fonte: Portal BBC News
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