Em 2010, Pará concentrou mais da metade das mortes registradas em conflitos rurais Pará, Brasil – O assassinato dos líderes extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, ocorrido na última terça-feira, 24, em uma estrada no Leste do Pará, estado da região Norte do Brasil, está longe de ser um caso isolado.
Nos últimos anos, o Brasil se acostumou a enterrar vítimas da violência no campo. Somente no Pará, nas últimas quatro décadas, mais de 800 pessoas perderam a vida em crimes cometidos no ambiente rural, segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra). De todos esses casos, apenas 18 foram a julgamento. Oito pessoas foram condenadas, e somente uma cumpre pena.
São histórias que se repetem. Os que tombam, quase sempre, são pessoas que entram em choque com interesses de latifundiários, fazendeiros e madeireiros ao levar adiante sua luta pelo acesso à terra e pela preservação da natureza.
Foi assim com o seringueiro Chico Mendes, morto a tiros em casa em 1988, no município de Xapuri, no Acre. Foi assim com os 19 sem-terra brutalmente assassinados pela Polícia Militar do Pará em 1996, no mundialmente conhecido massacre de Eldorado dos Carajás. Foi assim com a missionária americana Dorothy Stang, morta a tiros em 2005 na cidade de Anapu, também no Pará.
E foi assim agora, com José, que tinha 54 anos, e Maria, de 53, baleados na manhã de terça em uma estrada na zona rural de Nova Ipixuna. A polícia desconfia que o casal foi vítima de uma tocaia e que o crime foi encomendado. A presidente Dilma Rousseff ordenou à Polícia Federal que investigue o caso.
Ainda no fim de 2010, em uma palestra sobre a Amazônia, José advertiu que corria risco. Duas semanas antes do crime, ele e Maria encaminharam ao Ministério Público uma denúncia de crime ambiental contra três madeireiras.
– A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes querem fazer comigo, a mesma coisa que fizeram com irmã Dorothy Stang querem fazer comigo. Posso estar conversando hoje com vocês e daqui um mês vocês podem saber a notícia que eu já faleci.
Números
No ano passado, de acordo com levantamento da CPT, foram registrados 1.186 conflitos no campo brasileiro, dois a mais que em 2009. O dado mais alarmante, porém, refere-se ao número de assassinatos: 34, um aumento de 30% em relação ao ano anterior, quando 26 pessoas morreram por questões agrárias.
O Pará é o Estado que lidera as estatísticas. Lá, em 2010 foram registradas 18 mortes, mais que a metade do total relativo ao Brasil inteiro.
O cenário é o mesmo quando se consideram os dados da Ouvidoria Agrária Nacional, do Ministério do Desenvolvimento Agrário: o levantamento apontou 63 homicídios no campo entre janeiro e dezembro de 2010, sendo 11 deles decorrentes de conflitos agrários. Destes 11, o Pará foi o palco de sete.
O advogado José Batista Afonso, que trabalha para a CPT em Marabá, cidade que está na região leste do Estado, lembra que o triste quadro de violência rural na região é perpetuado devido a um misto de fatores que reflete algumas das principais mazelas do Brasil: pobreza, concentração de renda e acesso desigual aos serviços públicos, principalmente à Justiça.
– A reforma agrária não é prioridade, mexer na concentração da terra não é uma política prioritária por parte do governo, e outro fator é o atual modelo econômico imposto para a Amazônia e para o campo brasileiro, que privilegia o agronegócio, o setor madeireiro e de mineração.
A impunidade, diz ele, exerce ainda um papel especial, pois beneficia tanto quem mata como quem manda matar e acaba por banalizar a rotina de crimes.
– Aqui, nessa região, o crime compensa. Muitas vezes, aqueles que cometem os crimes e são donos do poder econômico, a Justiça dificilmente os alcança. A impunidade acaba virando regra em relação aos crimes que eles cometem. A impunidade é uma espécie de licença para matar.
(*) Informação TN Online
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