quarta-feira, 24 de abril de 2019

EXPOR IMAGEM DE ACUSADO ANTES DE SER JULGADO PODE GERAR AÇÃO NA ESFERA CIVIL E CRIMINAL


Somente após processo criminal transitado em julgado e réu apenado pode ter imagem exposta
Por
Elivaldo Peregrino Miranda Filho (*)
Há certo tempo venho observando uma prática realizada tanto pelas polícias civil e militar, quanto pela mídia de modo geral, que é a exposição da imagem de pessoas que foram detidas sob suspeita de prática de algum delito.
A nossa Constituição Federal, em seu artigo , inciso LVII, afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” e, afirma ainda, no inciso LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Logo, pela simples leitura dos dispositivos acima, concluímos que somente após ter sido dado o direito de defesa ao acusado e ser submetido ao contraditório em um processo criminal, tendo o processo sido transitado em julgado, é que podemos afirmar que aquela pessoa é um criminoso, podendo então, a sociedade fazer o seu juízo de valor sobre a sua conduta.
A nossa Constituição, inteligentemente, assim prevê, fundamentado na dignidade da pessoa humana, tido como um dos pilares do estado democrático de direito, uma vez que visa proteger os detentores de direitos, principalmente aqueles que nada tem a ver com o ato ilícito praticado, ou que até mesmo foram presas por engano.
A principal preocupação a meu ver seria rotular como criminoso uma pessoa honesta, que nada tem a ver com o crime praticado.
Agir dessa forma, em verdade, nos coloca como um verdadeiro tribunal de exceção, que prende e julga sem ao menos ser dada a chance de defesa.
Quando um agente público expõe a imagem de alguém que está sob sua custódia ou permite que seja exposta sem a sua autorização, este agente está cometendo um ato ilícito que é passível, inclusive, de responsabilização na esfera civil e criminal.
Na esfera criminal a conduta do agente pode ser tipificada como “abuso de autoridade”.
A lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965, afirma, em seu artigo 4º, inciso b, que constitui também abuso de autoridade quem submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei.
Na esfera civil, o artigo 186 do código civil afirma que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Já o artigo 927 do mesmo código afirma que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Assim, é plenamente cabível uma ação por reparação de danos morais em virtude de uma exposição indevida da imagem de um “acusado” antes do trânsito em julgado da ação penal.
Como já afirmado, a personalidade é um bem extrapatrimonial protegido pela Constituição Federal, dentre os direitos fundamentais e princípios da República Federativa do Brasil, essencialmente por meio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Vivemos em um estado democrático de direito, isso significa dizer que todos nós temos direitos e obrigações, e para que possamos ainda viver democraticamente, temos que respeitar tudo aquilo que a nossa constituição prevê.
A dignidade da pessoa humana abarca toda e qualquer proteção à pessoa, seja física, seja psicológica. Tanto que dela decorrem os direitos individuais e dentre eles encontra-se a proteção à personalidade, cabendo indenização em caso de dano.
Deste modo, tantos os agentes públicos podem ser responsabilizados, quanto qualquer outro que exponha de forma negativa a imagem sem sua previa autorização. Como é o caso de algumas emissoras de TV, que atuam como verdadeiros abutres sobre restos necrosados, quando de forma sensacionalista maculam a imagem de pessoas sem ao menos ter a certeza da culpabilidade do “acusado”.
Ressalta-se que mesmo em caso de prisão em flagrante, não é permitido a exposição da imagem do “acusado”. Como já afirmado, somente após o trânsito em julgado da ação poderá ser considerado culpado.
O direito penal brasileiro prevê algumas situações que são causas de exclusão da ilicitude, como é o caso do Estado de Necessidade, Legitima Defesa e Estrito cumprimento do dever legal.
Assim, mesmo que seja Réu confesso, se o “acusado” provar que estava agindo em legítima defesa, este não será considerado culpado, logo, não poderá ter a sua imagem maculada como criminoso.
Devemos lembrar ainda, que o estado deve buscar meios para ressocializar o criminoso, ou seja, criar mecanismos para reinserir na sociedade aquele que por alguma razão cometeu alguma ilicitude.
E com certeza, a exposição indevida de sua imagem afasta ainda mais aquele detentor de direitos da sociedade, uma vez que, quando aparece nas mídias taxado como um “criminoso”, naturalmente se cria uma barreira de exclusão.
Esta barreira é ainda mais devastadora quando um cidadão é exposto por engano sob suspeita da prática de um crime.
Somente para exemplificação: imagine que um cidadão é acusado da prática de um crime de estupro. Sabemos que em alguns estabelecimentos prisionais, quando um estuprador é preso, e essa informação chega aos detentos, possivelmente aquele que é acusado de estupro sofrerá abusos sexuais pelos detentos. Embora esse cidadão prove a sua inocência no curso do processo, o dano psicológico provavelmente será irreversível.
Por esta razão o Estado deve criar meios para coibir esta prática tão frequente. Inicialmente o conceito de “bandido” deve ser alterado, pois, geralmente, não é o “preto e pobre” quem causa os maiores danos à sociedade.
Não se vê, por exemplo, o “bandido de colarinho branco” ser “jogado” como animais nos fundos de viaturas. Não se vê milionários algemados em delegacias sendo forçados a dar entrevistas a emissoras de TVs.
Desta forma, devemos ter em mente que as pessoas que não tiveram oportunidades também são detentoras de direitos, que o fato de elas não terem o conhecimento para se defender, não nos dão o direito de expor sua imagem ao ridículo, contribuindo ainda mais para um país injusto e desigual.
(*) advogado
Fonte: Jusbrasil

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