Somente
após processo criminal transitado em julgado e réu apenado pode ter imagem
exposta
Por
Elivaldo Peregrino Miranda
Filho (*)
Há
certo tempo venho observando uma prática realizada tanto pelas polícias civil e
militar, quanto pela mídia de modo geral, que é a exposição da imagem de
pessoas que foram detidas sob suspeita de prática de algum delito.
A nossa
Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LVII,
afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória” e, afirma ainda, no inciso LV, que “aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral,
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes”.
Logo,
pela simples leitura dos dispositivos acima, concluímos que somente após ter
sido dado o direito de defesa ao acusado e ser submetido ao contraditório em um
processo criminal, tendo o processo sido transitado em julgado, é que podemos
afirmar que aquela pessoa é um criminoso, podendo então, a sociedade fazer o
seu juízo de valor sobre a sua conduta.
A nossa
Constituição, inteligentemente, assim prevê, fundamentado na
dignidade da pessoa humana, tido como um dos pilares do estado democrático de
direito, uma vez que visa proteger os detentores de direitos, principalmente
aqueles que nada tem a ver com o ato ilícito praticado, ou que até mesmo foram
presas por engano.
A
principal preocupação a meu ver seria rotular como criminoso uma pessoa
honesta, que nada tem a ver com o crime praticado.
Agir
dessa forma, em verdade, nos coloca como um verdadeiro tribunal de exceção, que
prende e julga sem ao menos ser dada a chance de defesa.
Quando
um agente público expõe a imagem de alguém que está sob sua custódia ou permite
que seja exposta sem a sua autorização, este agente está cometendo um ato
ilícito que é passível, inclusive, de responsabilização na esfera civil e
criminal.
Na
esfera criminal a conduta do agente pode ser tipificada como “abuso de
autoridade”.
A lei nº 4.898, de 9 de dezembro de
1965, afirma, em seu artigo 4º, inciso b, que constitui também abuso de
autoridade quem submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento
não autorizado em lei.
Na
esfera civil, o artigo 186 do código civil afirma que “Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
Já o
artigo 927 do mesmo código afirma que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano
a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Assim,
é plenamente cabível uma ação por reparação de danos morais em virtude de uma
exposição indevida da imagem de um “acusado” antes do trânsito em julgado da
ação penal.
Como já
afirmado, a personalidade é um bem extrapatrimonial protegido pela Constituição Federal, dentre os direitos fundamentais e princípios da
República Federativa do Brasil, essencialmente por meio da dignidade da
pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Vivemos
em um estado democrático de direito, isso significa dizer que todos nós temos
direitos e obrigações, e para que possamos ainda viver democraticamente, temos
que respeitar tudo aquilo que a nossa constituição prevê.
A
dignidade da pessoa humana abarca toda e qualquer proteção à pessoa, seja
física, seja psicológica. Tanto que dela decorrem os direitos individuais e
dentre eles encontra-se a proteção à personalidade, cabendo indenização em caso
de dano.
Deste
modo, tantos os agentes públicos podem ser responsabilizados, quanto qualquer
outro que exponha de forma negativa a imagem sem sua previa autorização. Como é
o caso de algumas emissoras de TV, que atuam como verdadeiros abutres sobre
restos necrosados, quando de forma sensacionalista maculam a imagem de pessoas
sem ao menos ter a certeza da culpabilidade do “acusado”.
Ressalta-se
que mesmo em caso de prisão em flagrante, não é permitido a exposição da imagem
do “acusado”. Como já afirmado, somente após o trânsito em julgado da ação
poderá ser considerado culpado.
O
direito penal brasileiro prevê algumas situações que são causas de exclusão da
ilicitude, como é o caso do Estado de Necessidade, Legitima Defesa e Estrito
cumprimento do dever legal.
Assim,
mesmo que seja Réu confesso, se o “acusado” provar que estava agindo em
legítima defesa, este não será considerado culpado, logo, não poderá ter a sua
imagem maculada como criminoso.
Devemos
lembrar ainda, que o estado deve buscar meios para ressocializar o criminoso,
ou seja, criar mecanismos para reinserir na sociedade aquele que por alguma
razão cometeu alguma ilicitude.
E com
certeza, a exposição indevida de sua imagem afasta ainda mais aquele detentor
de direitos da sociedade, uma vez que, quando aparece nas mídias taxado como um
“criminoso”, naturalmente se cria uma barreira de exclusão.
Esta
barreira é ainda mais devastadora quando um cidadão é exposto por engano sob
suspeita da prática de um crime.
Somente
para exemplificação: imagine que um cidadão é acusado da prática de um crime de
estupro. Sabemos que em alguns estabelecimentos prisionais, quando um
estuprador é preso, e essa informação chega aos detentos, possivelmente aquele
que é acusado de estupro sofrerá abusos sexuais pelos detentos. Embora esse
cidadão prove a sua inocência no curso do processo, o dano psicológico
provavelmente será irreversível.
Por
esta razão o Estado deve criar meios para coibir esta prática tão frequente.
Inicialmente o conceito de “bandido” deve ser alterado, pois, geralmente, não é
o “preto e pobre” quem causa os maiores danos à sociedade.
Não se
vê, por exemplo, o “bandido de colarinho branco” ser “jogado” como animais nos
fundos de viaturas. Não se vê milionários algemados em delegacias sendo
forçados a dar entrevistas a emissoras de TVs.
Desta
forma, devemos ter em mente que as pessoas que não tiveram oportunidades também
são detentoras de direitos, que o fato de elas não terem o conhecimento para se
defender, não nos dão o direito de expor sua imagem ao ridículo, contribuindo
ainda mais para um país injusto e desigual.
(*) advogado
Fonte:
Jusbrasil
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