Orçamento apertado e o desemprego ajudam a explicar
a popularidade dessa modalidade, onde os descontos podem chegar a 90%
O volume alto e o ritmo frenético da música ambiente parecem
comandar o movimento das vendas do Mega Mix, um mercado na Vila Sabrina, na
zona Norte de São Paulo, que só vende produtos com prazo de validade próximo do
fim.
Lá, enquanto levas de clientes se
acotovelam nos corredores apertados, os valores são dinâmicos: conforme o dia
passa, aumenta o risco de encalhe, o que faz o preço cair. Depois das lojas de
R$ 1,99 e dos atacarejos, a crise impulsionou esse tipo de varejo, conhecido
como “vencidinhos”, especializado em pechinchas.
A alguns quilômetros do Mega Mix,
o quadro se repete no Mercado Vanessa, no Jardim Santo Elias, zona Oeste. “Aqui
é uma bolsa de valores: de manhã o preço é um e, à tarde, outro”, conta Dayana
Ferraz Primarano. Ela, que administra uma das três lojas da família, todas
voltadas para esse nicho, negocia com a indústria diariamente. “Cheguei a
comprar leite a dois dias de expirar a validade e vendi o litro a R$ 1.” Nesse
caso, o desconto foi de mais de 50% para o consumidor em relação ao preço
normal.
O orçamento apertado nos últimos
anos e agora o desemprego elevado que persiste ajudam a explicar a maior
popularidade desse tipo de comércio, onde os descontos podem chegar a 90%. Há
lojas de médio e de pequeno portes que chegam a atender cinco mil pessoas mesmo
durante a semana. No sábado, o dia mais forte do varejo, esse número sobe para
10 mil.
Esses mercados comercializam,
principalmente, marcas líderes de itens refrigerados e congelados, como
iogurte, pratos prontos, salsicha, mortadela e presunto de Parma. É possível
achar 300 gramas de queijo brie, por exemplo, a R$ 2,50.
Institutos de pesquisa e
associações do setor não têm dados sobre quanto as lojas “Fifo” movimentam.
Assim, elas são conhecidas pela indústria, em alusão ao método de controle do
estoque que leva em conta que o primeiro produto que entra no depósito, isto é,
o mais antigo, também é o primeiro que sai – “first in, first out”.
A maioria dos itens vendidos
nessas lojas, normalmente localizadas fora da área de influência das grandes
redes de supermercados, é o encalhe da indústria. A sobra de mercadorias nos
depósitos das fábricas ocorre porque os fabricantes erraram a mão nas
quantidades produzidas ou porque determinado item não emplacou.
Na mais antiga loja do ramo, a
Vovó Zuzu, há 16 anos no Parque Dom Pedro II, região central, a procura
aumentou tanto nos últimos dois anos que os donos precisaram ampliar o espaço
em 30% – hoje, ela ocupa 1,5 mil metros quadrados – e estender o horário das 6h
até a meia-noite. “É cheio de gente o tempo todo”, conta o gerente Vanderli
Santana.
“No ano passado, inauguramos um
corredor de 30 metros só para os iogurtes e os congelados, que são nosso
carro-chefe, e ampliamos o horário de funcionamento para o Natal. Acabou que o
espaço já está pequeno de novo e não conseguimos mais retornar ao horário das
8h às 22h.”
O segredo desse tipo de negócio
está em calibrar o tamanho do desconto com o prazo de validade para vender
rapidamente grandes quantidades e zerar os estoques. Na Vovó Zuzu, dos 300
funcionários, 30 têm a tarefa única de ficar de olho nas prateleiras e
acompanhar o prazo de validade.
Algumas dessas lojas só vendem à
vista, pois têm prazo curto, no máximo de uma semana, para pagar a indústria.
Segundo Ancelmo Santos do Nascimento, gerente do Mega Mix, o lucro é pequeno,
mas o ganho está no volume. “O produto chega hoje, a gente trabalha com 5% de
margem. Não vendeu, no outro dia cai para 3%. Se demorou na gôndola, a ordem é
liquidar, vender mesmo com prejuízo para não jogar no lixo”, reforça Santana,
da Vovó Zuzu.
Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de
Varejo e Consumo, a chave desse negócio é a agilidade. “Esse é um varejo de
alto risco, no qual a perda sempre é iminente se o produto encalhar. Esse tipo
de loja é uma tendência mundial”, diz. Aqui, ela ganha dia a dia novos
consumidores por causa da crise e também porque no
Brasil a quantidade de produtos com prazo de validade é maior do que em outros
países.
Terra explica que esse formato de loja é favorável para a
indústria: reduz as perdas dos fabricantes com o encalhe e não canibaliza o seu
público-alvo. “Essas lojas vendem para os consumidores das classes de menor
renda que não comprariam esses itens.”
A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia)
informou, por meio de nota, que não monitora dados sobre a venda de produtos
com validade próxima ao vencimento.
Os maiores fabricantes do País não detalham o funcionamento
desse mercado. Procuradas, Nestlé, BRF e J. Macêdo confirmam que comercializam
diretamente com essas lojas, mas não atribuem a prática à necessidade de
reduzir estoques. As empresas não concederam entrevista. A Lala, dona da marca
Vigor, disse que não localizou um porta-voz para tratar do assunto. A JBS não
retornou os pedidos de entrevista.
Fonte: O Estadão
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